2012
Ele vivia num mundo perfeito. Poderia não haver para outras pessoas tal mundo,
mas o dele era perfeito. Tinha uma família que o amava e que faria qualquer
coisa por ele. Não tinha irmãos, mas essa falta era suprida pelos amigos que
tinha.
Era inteligente. Não um superdotado, mas tirava boas notas na escola. Gostava
de estudar e de fazer seus pais felizes. Quando trazia uma nota máxima
festejava como se fosse a primeira.
Brincava todos os dias depois das aulas. Tinha
uma casa na árvore e uma bicicleta. Brinquedos de última geração, como
videogames e também no computador que possuía em seu quarto. O que mais
gostava, no entanto, eram as brincadeiras na rua. Adorava correr, pular, cair.
Morava na área rural da cidade, mas isso não
importava. Ele adorava a vida no campo. Verdade, não conhecia a cidade, mas não
reclamava. Seus pais raramente saíam daquele lugar. Já tivera vontade de
conhecer a cidade grande depois de ver filmes na televisão, mas, às vezes,
tinha medo. Medo do desconhecido, medo da imensidão da grande cidade. Medo da
imperfeição dela.
Era mais simples aceitar a vida ali onde estava. Sem maiores preocupações ou
ambições. Ainda tinha onze anos, mas como todo garoto, pensava no futuro.
Sabia que um dia sairia dali. Iria para uma universidade, sairia da bolha de
proteção em que se encontrava. Seus pais sabiam que ela era efêmera, que não
duraria para sempre e que um dia tudo se romperia e o mundo não seria mais tão
perfeito.
Seria possível então que existisse o mundo perfeito? Ou ele estaria sempre
destinado a desaparecer quando o tempo passasse? Não teríamos direito a pelo
menos alguns poucos anos de perfeição?
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22 de dezembro de 2012
5:00 da manhã
Já era quase manhã quando William acordou assustado. Tivera um pesadelo. Na
verdade, outro pesadelo. Há alguns dias acordava na mesma hora da madrugada
suando, tendo calafrios. Não lembrava de nada do sonho, mas sempre podia sentir
o que havia sonhado.
Evitava chamar os pais para algo tão banal, mas sentia vontade. Às vezes tinha
vontade de somente correr para o quarto deles e abraçá-los até que
conseguisse voltar a dormir. Era somente uma criança de onze anos.
Sentou-se um pouco na cama antes de tentar dormir novamente. Olhou pela janela
entreaberta e pôde ver o céu azul escuro e aveludado lá fora. Por fim, voltou
a se deitar e pegou no sono novamente. Sem sonhos dessa vez.
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07:00 horas da manhã
_ William!
De longe pôde ouvir sua mãe o chamando. Mais um dia de aula. Levantou-se
sorridente. Hoje era o último dia de aula antes do recesso de Natal e de Ano
Novo. Não era aula de fato, haveria festa na escola.
Vestiu-se rapidamente e desceu correndo as escadas da casa. A mãe, apesar de já
estar acostumada à descida nada segura do filho, respirava fundo e se segurava
para não brigar com ele. Estava feliz que ele estava feliz. Isso era o que
importava.
Enquanto ele se sentava, ela colocou cereais na tigela e acrescentou o leite. O
café da manhã preferido do filho. Olhava para ele e nem sentia que ele não
havia saído de seu ventre. A ligação entre os dois foi instantânea quando
este lhe fora entregue dez anos antes.
Ela e o marido haviam passado anos tentando ter um bebê. Desistiram muito tempo
depois e, por fim, conseguiram adotar um lindo menino. Não escolheram sexo,
idade, nada. Mas veio um menino. Um menino abençoado. Era calmo, tranqüilo,
inteligente. Não lhes dava trabalho algum. Sentia não poder lhe dar um irmão,
o único pedido que ele lhe fizera certa vez, mas não seria capaz de criar
outro menino. Vivia muito bem com seu marido, mas duas crianças eram mais do
que poderiam suportar.
Enquanto terminava de preparar o almoço do filho observou a janela e o tempo lá
fora. Apesar de muito cedo, o sol já estava alto e brilhava intensamente
banhando a Terra com seus poderosos raios brilhantes. Os pássaros, tão comuns
àquela época, voavam como se dançassem aproveitando tudo o que a natureza
lhes proporcionava. O vento suave entrava pela janela entreaberta e mais um dia
se iniciava.
Mais um dia perfeito para uma vida perfeita.
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09:00 horas da manhã
Monica já estava acordada há algum tempo, mas decidiu fingir que dormia.
Precisava trabalhar, mas estava cansada. Cansada de tudo o que sua vida havia
proporcionado para ela. Além do que, era sábado. Não gostava quando precisava
trabalhar aos sábados.
Ouvia a respiração calma e relaxada do homem ao seu lado. Muitos anos haviam
se passado, mas ela ainda sentia como se tivesse sido ontem que vira Mulder e
Scully pela última vez.
Ao lembrar-se deles um misto de angústia e tristeza se estampava em seu rosto.
Onde estariam, o que estariam fazendo, como estariam vivendo e o mais
importante, se estariam vivos eram perguntas que povoavam a sua mente todos os
dias da sua vida. Durante todos os dez anos que os separavam agora.
Morava com um bom homem, mas não poderia se considerar totalmente feliz. Às
vezes, se perguntava se até esse ideal de felicidade tão almejado por todos
era também mais um fruto do capitalismo e do consumismo exacerbados do mundo.
Para ser feliz você tem que ter que uma casa própria, você tem que ter o
corpo perfeito, tem que ter o trabalho perfeito, o melhor computador, as
melhores roupas.
É, talvez fosse mesmo mais um fruto do consumismo, pensou.
Tivera uma noite mal dormida, não sabia porquê. Estava inquieta, tensa. Algo
que vinha de dentro. Lembrava-se de todos os momentos de sua vida, da forma como
ela fora modificada ao entrar para os Arquivos X e de como, até hoje, sofria
influência direta do trabalho naquela seção esquecida por todos no FBI.
_ Vou preparar meu café. Você quer alguma coisa?, seu companheiro perguntou.
_ Não, obrigada.
Ela finalmente levantou-se da cama e dirigiu-se ao banheiro. Tomaria um banho
quente e demorado, talvez a água que caísse sobre seu corpo limpasse toda a
angústia que sentia, toda a tristeza que se firmou nela naquele dia.
Ligou o chuveiro e a fumaça da água quente se espalhou pelo banheiro, embaçando
o box de vidro e o grande espelho. Ao terminar, tratou-se de se arrumar
completamente antes de sair do banheiro e, ao sair, encontrou seu companheiro já
arrumado, somente a esperar por ela.
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11:00 horas da manhã
Aquele era o dia mais feliz da sua vida, dos últimos meses. Brincou tanto que
cansou. Adorava aquela época do ano, a proximidade com o Natal, as compras, as
comidas, a felicidade em torno daquela data.
Desde pequeno seus pais fizeram questão de fazê-lo entender o significado do
Natal e porque todos devem estar em paz consigo mesmos e com os outros no dia do
nascimento do filho de Deus.
Adorava voltar para casa sempre na expectativa de encontrar algum presente em
seu quarto. Seus pais gostavam de deixá-lo ansioso pelo presente e sempre o
ensinaram que era preciso aceitar o que lhe era dado, o que lhe era oferecido.
Durante o Natal também faziam trabalhos de caridade e ele se sentia útil. E
ainda convenceu todos os seus amigos a participarem. Iam para a cidadezinha mais
próxima dali e ajudavam os mais necessitados. Eram roupas, mantimentos, calçados,
brinquedos. Tudo o que pudesse fazer uma pessoa mais feliz.
Era quase a hora do almoço e ele voltava para casa em companhia do inseparável
Alan. Seu amigo desde que ele se lembrava.
Cresceram juntos. As casas de ambos a menos de um quilômetro de distância.
Sempre brincaram juntos, ganhavam os mesmos presentes e gostavam das mesmas
coisas.
Se fossem irmãos, talvez não fossem tão amigos. Uma amizade verdadeira tem
uma base sólida em que as partes se entregam totalmente e confiam plenamente
uma na outra. Era assim com William e Alan.
Não havia nada que pudesse destruir aquela amizade.
Nada.
Naqueles anos, ambos queriam somente curtir a vida e a infância, mesmo não
admitindo com todas as palavras.
Alan morava somente com a mãe. O pai havia morrido há dois anos de ataque cardíaco.
William consolara o amigo da melhor forma que pudera, ficando ao seu lado o
tempo todo. Não fazendo perguntas, não falando nada. Ele simplesmente ficara
ao seu lado, quieto, calado, como se fosse um adulto.
Chegou em casa para o almoço. Seu prato preferido, lasanha. Comeu como se
aquela fosse a última vez que saborearia aquele prato.
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01:00 hora da tarde
Depois do almoço, William correu para a varanda da casa e sentou-se no balanço.
Era uma espécie de tradição ficar ali vendo o sol mudar de posição ao longo
do dia.
Tinha uma certa fascinação pelo céu e naquele dia, particularmente, o céu
parecia alheio a ele. Não havia uma nuvem sequer para destoar no imenso azul
que banhava a Terra.
Uma brisa suave fazia seus cabelos se mexerem e amenizava a temperatura. Apesar
de ser inverno, onde morava não estava nevando ou sequer fazendo muito frio.
O dia estava calmo e tranqüilo. Silencioso. Sentia-se só no mundo, como se não
houvesse mais ninguém ali e ele fosse o único a não ter sido comunicado da
evasão.
Respirou fundo, levantou-se e seguiu para a casa de Alan. As férias estavam
começando e ele haveria de aproveitá-las.
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03:00 horas da tarde
Doggett decidiu finalmente se levantar da cama. Passara o dia deitado sem fazer
nada além de buscar comida. Sentia-se só.
Com o rádio ligado numa estação que tocava músicas que somente falavam de
Deus e de paz, ele sentiu uma ponta de revolta. Onde estaria Deus? E por que Ele
nunca aparecera quando Doggett mais precisara? Como confiar em alguém ou alguma
coisa que ele não tinha certeza da existência? Que ele não tinha sequer nada,
absolutamente nada, que pudesse lhe dar o mínimo de vontade de acreditar?
Pegou o chinelo do chão e jogou no rádio, que caiu e parou de tocar.
O silêncio novamente consumiu sua casa. Era o que precisava silêncio. Escuridão.
Sua própria escuridão era a sua casa.
Sua casa há dez anos quando Monica decidira que, para o bem de todos, ninguém
deveria permanecer junto. Como estaria ela?
Talvez ela também tivesse sua própria escuridão como casa. Talvez.
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05:00 horas da tarde
Monica se sentia cada vez mais presa ao local escuro e frio em que fora se
acostumando a ficar nos últimos anos. Era cômodo, mas era sofrido. Sentia seu
coração arder por mais.
Por vida.
Talvez tivesse deixado muito tempo se passar, na esperança de que o tempo
curasse todas as suas feridas. Descobrira tarde demais que isso não acontece. O
tempo não cura feridas. Quem poderia curá-las era ela mesma. E não sabia se
queria esquecer. Não poderia esquecer.
Tentara levar uma vida normal. Mas, naquele dia, percebera que não poderia. Não
havia explicação. Era como se, nesse dia, algo tivesse lhe dado forças, lhe
houvesse puxado para fora do poço em que se encontrava.
Precisava agir. E rápido. Mesmo que fosse doloroso para algumas pessoas, seria
extremamente prazeroso para ela própria.
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08:45 horas da noite
A campainha tocou mais de cinco vezes até que se sentisse disposto o suficiente
para levantar, vestir uma camiseta e caminhar até a sala. Não esperava ninguém,
mas pela insistência, talvez fosse algo importante.
E era.
A noite havia caído rapidamente e, depois de tantas horas sozinho e sem fazer
nada, perdera a noção de tempo. Não tinha idéia que eram quase nove da
noite. Podia ver o reflexo da lua cheia banhando o chão de sua sala.
Sua apatia se dissipou quase que instantaneamente, no momento em que abriu a
porta. Monica.
_ O que você está fazendo aqui? _ não queria soar ríspido, mas foi assim que
sua voz ecoou.
_ John, eu...
Antes que ela continuasse, ele abriu espaço para que ela entrasse. Monica
estranhou o fato de dez anos terem se passado e tudo parecer como se nada
houvesse mudado. Ao se reencontrar com John, todos os seus sonhos, esperança e
uma súbita felicidade se apoderaram do seu corpo.
Ele estava visivelmente mais magro. Os cabelos brancos agora tomavam quase toda
a cabeça dele. Estava tão bonito quanto antes.
Nada faria com que se separassem novamente, pensou esperançosa. Tinha esperança
no futuro.
Subitamente ele a abraçou e deixou que as lágrimas quentes e contidas em seu
corpo durante tantos anos lavassem seu rosto e também sua alma. Precisava
daquele conforto e saber que ela estava ali com ele era demasiadamente bom. Ele
se sentia bem pela primeira vez em anos.
Na verdade, nunca se sentira tão bem. Sentia o perfume dela, seus cabelos
macios e negros. Era como se o tempo não houvesse passado. Queria acreditar que
tudo tivesse sido um sonho. Um pesadelo.
Uma brisa soprou um pouco mais forte, fazendo com que as folhas das árvores na
rua se movimentassem e fizessem barulho. O vento gelado entrava cortante pela
porta ainda aberta e por um instante pensou que jamais teria coragem de largar
aquele abraço. Era seguro demais. Era importante demais.
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09:00 horas da noite
William estivera fora de casa o dia inteiro. Sua mãe começava a ficar
preocupada quando ele chegou. Estivera com Alan o tempo todo. Foram até um
riacho próximo de suas casas e ali se encontraram com colegas de escola,
inclusive a garota pela qual era apaixonado desde o jardim, Lisa.
Estava de férias e era ótimo poder aproveitar todo o tempo livre que dispunha,
poder finalmente tentar conversar decentemente com Lisa sem precisar inventar
qualquer desculpa relacionada aos seus estudos.
É, o dia havia sido perfeito e ele queria dormir para poder sonhar. Sonhar que
já era adulto e que tinha uma família com Lisa. Sua vida era perfeita. Ele
gostava de imaginar o seu futuro e saber que tinha controle sobre o que fazia e
faria. Gostava dessa certeza.
Preparou-se para dormir e deitou-se. Quando estava quase pegando no sono ouviu
um estrondo. Um enorme barulho vindo de fora de sua casa. Ao olhar pela janela
viu também fogos. Chamas, labaredas que se movimentavam com o balanço dos
ventos, como se dançassem. Levantou-se e encontrou-se com sua mãe no corredor.
_ Foi tudo perdido, filho. Tudo perdido. _ ela dizia em meio às lágrimas.
Naquele mesmo instante ele pôde ver seu futuro mudando. Não queria pensar em
nada a não ser no fogo, mas seus pensamentos se dirigiram para o seu futuro.
Que mudava a cada balanço do fogo. Estava diante do ano que mudaria sua vida.
Estava diante de 22 de dezembro de 2012.
Parecia que apenas um segundo havia se passado desde que Monica entrara em sua
casa. Porém, foram alguns poucos minutos. Pôde extravasar todos os sentimentos
presos durante tantos anos. Era estranho, entretanto, que somente um abraço
pudesse trazer à tona tantas emoções. Preferira não pensar. Era melhor
aproveitar. Memento Mori.
Monica perguntara porque ele estava tão magro, tão abatido e sua resposta foi
simplesmente que não estava perto dos que amava e que nada poderia alimentá-lo
ou fazer com que se alimentasse ou vestisse decentemente.
_ Eu estou aqui agora, John. Eu vim para ficar.
Ele sorriu como há muito tempo não sorria e seu coração se encheu de esperança.
Esperança de um futuro melhor, de um futuro para os dois. Quem sabe ser feliz?
Nem que fosse por pouco tempo. Sabia que a vida era cheia de felicidades e
infelicidades, 50% para cada. Felizmente ele estava para aproveitar os seus 50%
de felicidade. Os outros ele havia gastado mais que o necessário.
Estavam caminhando juntos até o sofá quando ouviram um barulho. Um barulho
muito alto e subitamente fogo. As chamas se alastravam dentro da casa e os dois
não sabiam exatamente para onde correr. Não tinha idéia de onde vinha o fogo.
O fogo que queimaria todas as suas esperanças. Todo o seu presente. Ele não se
importava com o futuro. O presente era mais importante. Ele estava acontecendo.
Ele era a sua vida. Estava diante de mais um ano, mais um ano que não seria tão
melhor que os outros, afinal de contas.
Estava diante de 22 de dezembro de 2012.
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