Perfect Hell

parte 1


Mulder acordou lentamente. O calor dominava a cabana. Continuou deitado na cama, irritado com o suor que descia de seu rosto, que umedecera a gola de sua camiseta, deixando-o com uma sensação de frio somente no pescoço. 

Odiava acordar assim. Odiava acordar naquele lugar, sempre odiara. Mas nada podia fazer a respeito. Não antes, pelo menos.

Agora não tinham mais motivos para permanecer ali. O mundo havia sido invadido pelos alienígenas. E mesmo que eles ainda estivessem vivos, não havia mais uma verdade a ser dita. Ninguém iria querer silenciá-los.

Pensando bem, mesmo que o mundo não tivesse sido invadido, o que era improvável, principalmente devido aos acontecimentos da noite anterior, ainda assim eles estavam livres. A data havia se passado, e agora, tendo-se passado tantos anos, dificilmente alguém ainda estaria atrás deles.

Mulder se perguntava se alguém jamais estivera atrás deles, na verdade. Afinal, não teria sido tão difícil assim encontrá-los.

Ele tinha o costume de ir até a cidade mais próxima para buscar mantimentos. Havia conversado com diversas pessoas, durante essas visitas. E Scully também havia feito a mesma coisa.

As pessoas falam, principalmente em lugares afastados como aquele onde viviam. 

De qualquer forma, ninguém jamais os procurara, e eles desenvolveram a crença de que estavam se escondendo muito bem. Era uma ótima crença. Isso os protegia de precisar encarar uma realidade cruel, aquela onde os dois teriam se escondido em vão, e na qual o resto do mundo pouco se importava em procurar por eles.

Mulder se levantou, tentando fazer pouco barulho, mas percebeu pela respiração da mulher ao seu lado, que sua tentativa fôra infrutífera.

Scully manteve-se em silêncio, no entanto. Por um instante, Mulder se perguntou sobre os motivos para que ela não falasse com ele naquele minuto.

A resposta, no entanto, estava guardada no fundo do coração dela. Nem mesmo ela poderia colocar em palavras as dúvidas que a assaltavam naquele momento.

Estavam vivos, e pelo que podia notar, a cabana estava inteira. Nenhum alienígena havia invadido a cabana. Ao menos a cabana, mas quem sabe o mundo?

E se não havia acontecido nada? E se tudo houvesse sido em vão? Desistira de seu filho por nada? Deixara de viver uma vida normal por causa de uma data que não significava nada? Teria jogado fora anos de sua vida, e o próprio relacionamento com Mulder?

E se a invasão tivesse acontecido? E se o mundo estivesse destruído, milhões de pessoas mortas, crianças, famílias inteiras massacradas, e os dois haviam podido evitar, mas preferiram se esconder nos confins do mundo, em um lugar seguro.

Nenhuma resposta lhe trazia conforto. Naquele momento, ela queria poder ligar o rádio, escutar alguma música antiga, deitar a cabeça no travesseiro e dormir até umas quatro da tarde.

Sem qualquer preocupação no mundo.

Mas isso não aconteceria. Por mais que lhe doesse descobrir a verdade, começar a enfrentar o futuro, ela sentia a necessidade de ver com seus próprios olhos o que havia acontecido.

Viu Mulder se afastar, em direção à porta. Lutou por um momento contra a vontade de permanecer imóvel, meio que morta naquela cama, fingindo que ainda era 22 de dezembro. Mas a mentira durou pouco.

Scully se levantou e foi para a sala.

_ Queria saber como nós conseguimos dormir.

A voz de Mulder surgiu meio rouca, como um locutor de uma rádio com muita interferência. 

_ Eu não sei, acho que nós sabíamos que não teria feito diferença alguma se ficássemos acordados.

_ Provavelmente.

_ Mulder, o que você quer fazer?

_ Antes de tudo? Quero ir até a cidade, ver como estão as pessoas. Existem algumas pessoas por lá com quem eu fiz amizade. Acho que você também.

Scully preferiu não pensar nisso. Não enquanto não soubesse o que havia acontecido.

A decisão de irem até a cidade foi tomada rapidamente, sem conflitos. A preparação para a ida foi um pouco mais complicada. Teriam que levar o que precisavam, e não sabiam exatamente o que. Impossível dizer o que esperava pelos dois daquele momento em diante.

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_ Fica muito longe daqui?

A expressão do homem alto de Arroyo Seco subitamente se modificara da desconfiança para a curiosidade. A ruiva, de pé ao lado dele, o olhou de soslaio, também já não parecendo tão aliviada quanto antes. 

Desde que haviam entrado no armazém, diversos sentimentos diferentes podiam ser lidos nos semblantes de ambos. 

J.J. se considerava um livre pensador, dedicado ao estudo da psique humana. Era, sobretudo, muito bom na leitura das expressões faciais.

Poderia afirmar, com toda certeza, que era ansiedade, apreensão, quase desespero, o que aqueles dois sentiam quando entraram na loja, cerca de meia hora antes. Mal podiam disfarçar estes sentimentos, enquanto vagavam entre as prateleiras, fingindo escolher mercadorias. Se não os tivesse a tanto tempo como clientes, J.J. diria que se comportavam potencialmente como ladrões de loja. Mas, há cerca de dez anos, um ou outro vinha esporadicamente ao mercadinho para comprar mantimentos. De modo que já não lhe eram completos estranhos.

Depois de muitas idas e vindas, haviam finalmente parado diante do balcão com diversos pacotes de pilhas e outros tantos de velas. 

O Sr. Estranho sorriu um sorriso sem graça e começou a puxar conversa

_ Bom dia! - ele disse e J.J. respondeu do mesmo jeito, acrescentando um sorriso caloroso ao cumprimento. 

A ruiva fez um meneio de cabeça à guisa de resposta. Seu companheiro limpou, com as costas da mão, algumas gotículas de suor que lhe umedeciam a testa

_ Parece que não vai haver neve neste Natal... 

Observação idiota, mas o homem alto visivelmente se esforçava para continuar a conversa.

_ Para falar a verdade, a última vez que nevou, por aqui, foi em 1975, se não me engano. - respondeu o lojista.

_ Uhnn... - fez o homem alto, balançando a cabeça, meio sem graça. 

Um silêncio agoniado pesou por alguns instantes, enquanto J.J. somava os valores das mercadorias e as arranjava em caixas de papelão. 

_ Quinze dólares e quarenta e cinco. - falou, por fim.

O outro ainda tinha aquela expressão engraçada, de ansiedade e agonia, quando a mulher, visivelmente irritada pela hesitação do companheiro, perguntou de supetão:

_ Ouvimos uma explosão muito forte, ontem à noite. O senhor sabe o que foi?

A voz dela, normalmente um tanto grave, soou uma oitava acima do normal, denunciando seu nervosismo. O homem alto voltou-se para J.J., apreensivo. Sua mão pousou no ombro da companheira num gesto tenso. 

_ Explosão? Ah, sim... 

Como o lojista continuasse arrumando metodicamente as moedas dentro da gaveta da registradora, a Sra. Estranho insistiu: 

_ E...?

_ Um caminhão transportando combustível se acidentou na estrada. Houve um incêndio e parte do combustível que vazou atingiu um gasoduto que corre perto na margem da estrada. Foi uma explosão e tanto, não foi?


Foi a primeira mudança de expressão da dupla. De angústia para dúvida. 

_ O senhor tem certeza? - insistiu ela. 

J.J. poderia ter se irritado com a pergunta, num dia normal. Mas não naquele dia. 

_ Claro! Sou bombeiro voluntário. Estive lá, ajudando a combater as chamas

Segunda mudança de expressão. Saiu a dúvida, entrou o alívio. 

_ Até feri o braço nos destroços, vejam... - ele mostrou o antebraço envolto numa atadura

No homem, porém, o alívio durou pouco

_ Já se sabe qual a causa do acidente? - ele agora estava desconfiado. 

_ Um motorista bêbado, viajando no sentido contrário. Alega que o carro "apagou" e ele perdeu o controle, acabando por atravessar a pista. Conseguir desviar bem a tempo de se salvar. O caminhão, no entanto, não teve como se safar.

_ O local do acidente... Fica muito longe? - o homem alto voltou a repetir. 

J.J. como que despertara de um sonho. Coçou o queixo, enquanto calculava mentalmente a distância. Não era a toa que era conhecido pela precisão de suas informações. 

_ Cerca de oito milhas e meia a oeste da cidade. 

O homem alto voltou o olhar inquisitivo para a ruiva. Ela franziu o cenho, pensativa. Depois torceu um dos cantos da boca em clara desaprovação. 

_ É uma boa idéia, sim. PRECISO ver com meus próprios olhos. NÃO! Claro que não há perigo algum. 

Impressionante o que uma simples troca de olhares podia significar entre aquele casal! J.J. não cansava de se surpreender com eles. 

O homem olhava para J.J. como quem pede confirmação. 

_ É verdade, Sra. As chamas foram controladas ontem mesmo. - disse J.J. afinal. 

O Sr. Estranho sorriu, triunfante. 

_ Mas não há muito para se ver, não. Eu lhe garanto. - arrematou o lojista. - Por lá, só há mato queimado e a carcaça carbonizada do caminhão. 

_ E os motoristas? 

_ O do caminhão, coitado, morreu na hora. O bêbado esteve "guardado" na cadeia municipal até hoje de manhã. 

_ Será que poderíamos falar com ele? - ela perguntou. 

_ Duvido muito. Quando estava vindo para cá, mais cedo, vi o xerife o levando embora de carro. A essa hora já devem ter chegado à capital.

O homem fez uma expressão desapontada. A mulher pareceu outra vez preocupada. 

_ Mas por que para a capital? - perguntou a ruiva. 

_ Não sei. Acredito que a companhia que é dona do caminhão está processando o motorista do carro. Acho que ele foi depor na delegacia da capital. 

J.J. se calou por um instante, observando a dupla. A mulher parecia satisfeita com a explicação. O homem era pura decepção. Os dois se entreolharam mais uma vez, pegaram as compras e despediram-se do lojista. Pelo vidro da porta, J.J. pode ver quando se encaminharam à camionete, o Sr. Estranho com a mão levemente apoiada na espádua da companheira, como se a conduzisse.

Foi somente quando o automóvel já ia desaparecendo rua acima, que ele se lembrou de um outro detalhe. 

Esquecera de mencionar os dois homens em ternos negros e óculos escuros que havia visto num carro também negro que seguia o veículo do xerife. 

Talvez tivesse alguma importância. Talvez não.



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