Perfect Life


Não sabia ao certo como aquela vontade havia surgido em sua vida mas, assim que completara quinze anos, sentiu que deveria se tornar um agente federal de seu país. Gostava de ver como aquelas pessoas agiam e como eram patriotas a ponto de dar as suas vidas pelo país. Mas sabia que precisaria estudar muito para chegar lá, e assim o fez. 

Durante os anos de escola, estudou o suficiente para obter algumas das melhores notas do colégio e se destacou como corredor, participando, inclusive, de campeonatos estaduais. Seus professores sonhavam com sua realização como atleta e não foram poucas as universidades que lhe ofereceram uma bolsa de estudos se ele corresse por elas. 

No entanto, não era esse seu sonho. E ele sabia que, se aproveitasse uma bolsa universitária para correr, não teria tempo suficiente para se dedicar a estudar o quanto precisava. Mesmo com todo o esforço de seus pais, que sempre lhe diziam que talvez não houvesse dinheiro suficiente para todos os quatro anos de ensino superior, ele recusou todas as ofertas das universidades e, aos dezessete, começou a trabalhar. Fazia basicamente todo tipo de trabalho que encontrava pela frente e guardava todo e qualquer dinheiro que conseguisse. 

O sonho de ser um agente especial o engrandecia e ele faria qualquer coisa para conseguir chegar lá. 

Finalmente chegara o dia. O dia da formatura da Academia do FBI, em Quântico. Conseguira: agora era um agente federal do seu país. Agora defenderia seu país. Estava orgulhoso de si próprio e se sentia bem com tudo isso, depois de todo o esforço.

Olhando para trás, podia observar seus pais, que não conseguiam segurar a emoção. Eles também compartilharam todos os momentos dedicados àquele objetivo e sabiam da luta que haviam travado para pagar a faculdade.

Sentado na terceira fileira de cadeiras com a tão sonhada beca, curtia aquele momento com seus trinta colegas de classe que também estavam radiantes com o fim daquela etapa e apreensivos, mas felizes com o início de uma nova. O treinamento para agente não era um treinamento fácil. Foram várias semanas separados da família, sem contato algum. No início, fora fácil, mas, à medida que os dias se passavam, se tornava mais difícil agüentar a pressão. Passara por treinamentos de conduta, ética, moral, força, aprendera a lidar com diversos tipos de armas, a prender uma pessoa mesmo com os olhos cheios de pimenta, além de outros treinamentos. 

Agora seria, de fato, um agente e faria o possível e o impossível para proteger seu país e aqueles que amava. Conheceria novas pessoas, faria novos amigos. Nem todos os bons amigos que fizera na Academia iriam para a sede do FBI em Washington D.C. Lembrou-se de Alan e de como havia meses que não se falavam. 

Alan. Seu melhor amigo e companheiro de todas as horas. Alan decidira seguir carreira no Exército americano e, por esse motivo, quase não haviam se encontrado nos últimos meses. Além disso, Alan vivia viajando. Era do alto escalão do Exército e por isso nunca estava em casa. De qualquer forma, amigos são para qualquer hora e não importava que os anos passassem, já que a amizade entre eles continuava. Era o que pensava em todos os momentos em que Alan não estava lá, vendo mais uma conquista sua. 

Começaram a chamar os nomes dos formandos. Ross Crosby, Ralph Hawkings, William Van De Kamp. Ele se levantou e caminhou até o palco onde os professores estavam todos à sua espera. Era o último nome da lista. Ao chegar, percebeu que, além do canudo que o diplomaria e o transformaria em agente especial, havia uma outra placa. Seu coração batia cada vez mais forte. Sabia o que aquela placa significava e isso o fazia se sentir melhor ainda. Finalmente, ao se encontrar com seu professor recebeu das mãos dele uma placa em homenagem ao melhor aluno daquele ano. 



Mesmo com todas as visitas que fez ao prédio do FBI antes de entrar para a Academia, nada o prepararia para aquele momento tão especial. Sua entrada pela porta dos funcionários do Bureau não teve nada de magnífico para ninguém a não ser ele próprio, mas ele gostava da sensação de objetivo cumprido. 

Com o papel que determinava em qual seção trabalharia, seguiu seu rumo, prestando atenção a todo local por onde passava. O prédio era grande e todos os andares pareciam iguais. Era infantilidade sua, mas não gostaria de parecer um calouro que não sabia por onde andava. 

Foi designado para trabalhar na seção de desaparecidos. Apesar da insegurança e incerteza iniciais a respeito do tipo de trabalho realizado naquela seção, estava feliz por estar iniciando mais uma fase da sua vida. 

E foi dessa forma que ele entrou para o FBI, com honras na Academia. Foi ali também que conheceu Monica Reyes, a agente que trabalharia diretamente com ele. Não era uma agente nova, mas era muito bonita e certamente possuía uma mente brilhante. Gostava de conversar com ela, de discutir os casos e perceber que, às vezes, as respostas encontradas pela colega não eram as esperadas por todos, muito menos por ele. Mas, ainda assim, ele a ouvia e não conseguia desacreditá-la. 

Não importava o que achava das soluções de Monica. A companhia e o que aprendia com todos a seu redor eram de grande valia. Às vezes, sentia falta dos pais, mas não podia se dar ao luxo de visitá-los sempre que isso acontecia. Era longe demais e o trabalho consumia seu tempo integralmente. Quem desaparece certamente não quer que o agente responsável tire férias enquanto o procura. 

XXXXXXXXX 

_ Descobriu alguma coisa? 

_ Nada. Não consigo ficar sozinha na sala para ler alguns arquivos da pasta de "não-resolvidos" e não confio o suficiente no Agente Van De Kamp para perguntar a ele algo mais específico. Talvez eu tenha simplesmente parado de crer nos homens quando tantas coisas nos aconteceram. Gostaria de um aviso de que estão bem, de que estão... vivos. _ ela voltou seus pensamentos para o FBI e a arrepiante semelhança que William possuía, às vezes, com Mulder. Não no seu modo de ver as coisas e a vida, mas no olhar que busca sempre a verdade, que busca sempre fazer um bom trabalho. 

_ Eu sei. Penso nisso todos os dias da minha vida. _ disse John, enquanto se inclinava para beijá-la levemente nos lábios. Era tudo o que queria saber na vida, onde estavam Mulder e Scully. Mas não podiam se arriscar. Durante anos haviam sido deixados de lado, o que os impressionara. Não acreditava que ninguém gostaria de saber para onde os dois fugiram ou se estavam mortos. 

A verdade era cruel, mas era a verdade. Todos os dias seu pensamento se voltava para os dois e normalmente, tal pensamento terminava num cemitério clandestino qualquer. Seu estômago se embrulhava ao imaginar cenas de tortura extrema ou quando chegava até a visualizar balas percorrendo os corpos de seus amigos, fazendo com que cada súplica pela vida fosse humilhante o suficiente para que desejassem morrer.

Os dois continuaram o jantar em silêncio absoluto. Ambos confrontando seus próprios demônios. 

XXXXXXXXX 

O dia exaustivo de mais de treze horas de trabalho havia finalmente terminado. Sentia as costas doloridas e suas pernas precisavam de descanso também. Flexionava a cabeça de um lado para o outro de forma a alongar o pescoço e respirava fundo. Mais um dia terminara. Um dia que consumira todas as suas energias, mas que teve um final feliz. Algo raro na sua seção, infelizmente. 

Às vezes, tentava imaginar o que era se distanciar de alguém querido à força como acontecia naqueles casos de desaparecimentos. Era muito pior que a morte em si. A dúvida era interminável e consumia cada mãe, pai, irmão, amigo. Os piores pensamentos se instalavam nas mentes dos parentes e eram difíceis de serem tirados. Era difícil fazer com que eles não tivessem tais pensamentos. Como não imaginar o pior? A não ser em casos de fuga, normalmente de adolescentes ou pessoas com dívidas, o desaparecido estava realmente infeliz por ter sido arrancado do seio familiar. 

Imediatamente pegou o telefone e, enquanto caminhava até o carro, ligou para a casa de sua mãe, sem nem atentar para a hora. 

_ Mãe? _ ele perguntou ao ouvir a voz do outro lado da linha. 

_ William? Aconteceu alguma coisa? _ ela perguntou apreensiva. Não era comum que ele ligasse àquela hora. 

_ Não. Só estava com saudades. 

Eles continuaram a conversa por mais alguns minutos até ele chegar ao bar próximo de sua casa. Era um local calmo, com música ao vivo e cadeiras confortáveis. Era um pequeno ambiente com mesas muito próximas umas das outras, tornando quase impossível caminhar por entre elas. Mas era um local animado e justamente o fato de possuir mesas próximas fazia com que fosse acolhedor. Ele se sentia bem ali quando estava sozinho, coisa que ficava na maior parte das vezes. Enquanto bebia o seu vinho preferido sentia seu corpo se acalmar, seu sangue parar de correr tão rapidamente, seu coração se desacelerar. Um copo depois, ele já havia deixado seus problemas diários de lado e se preocupava apenas com a cantora que se preparava no palco para cantar. 

Alguns minutos e mais um copo de vinho depois, ele sentiu seu coração novamente se acelerar e sua respiração se tornar mais rápida e ofegante. Sentiu seu corpo praticamente se derreter ao ouvir a voz da cantora que tentava animar a platéia com uma música sobre corações partidos e infelicidade. Sua voz era suave e forte ao mesmo tempo. Sem conseguir vê-la, pois o ambiente estava escuro, não tinha idéia de quem seria. Sabia que era novata ali, pois nunca havia se sentido daquela forma ao ouvir uma voz. 

Começou a divagar, sem nem perceber, sobre como ela deveria ser. Imaginou cabelos loiros na altura dos ombros. Lisos, bastante lisos. E macios. Tão macios que ele gostaria de ficar horas acariciando-os, cheirando-os e se sentindo bem por estar próximo a ela. Sorriu do seu pensamento bobo. Já estava imaginando ficar com aquela mulher. Estava solitário demais, pensou. Sequer a conhecia. Não havia nem visto seu rosto, era tudo uma ilusão. Uma imaginação. E a sua imaginação já havia lhe pregado peças, principalmente nesses momentos de solidão em que ele gostaria de estar sentado ao lado de alguém que realmente amasse, que se importasse com ele, que gostasse da sua companhia. 

A voz agora se tornara mais forte e mais intensa. Eram menores os momentos para respirar e ele ficou admirado do fôlego da cantora. Continuava se sentindo como se estivesse anestesiado e, apesar de já ser tarde da noite, não conseguia se mexer para ir embora. Não queria ir, na verdade. Queria poder olhar para aquela que conseguira tomar toda a sua atenção e que provavelmente faria com que acordasse tarde no dia seguinte. 

Ela cantou por mais uma hora e meia sem parar. Como ela conseguia, ele se perguntava. Afinal, cantar com tanta emoção e arrancar suspiros da platéia não era coisa fácil, especialmente àquela hora da noite. Notou que ninguém conseguia ir embora e sentiu uma pontinha de ciúmes. Era ridículo, mas imaginou que a música tivesse somente algum efeito sobre ele e não sobre qualquer um. E o que esperava, William, pensou, que sem nem te conhecer ela cantaria para você e somente para você? Quem era ele para querer algo assim? A cada minuto que passava se sentia mais ridículo por tais pensamentos. Parecia um adolescente que achava que a garota mais bonita da escola estava apaixonada por ele somente porque ela pediu suas anotações da aula de matemática. Claro que no final do dia ela estava aos beijos e abraços com o capitão do time de futebol e ele a ver navios. Claro. 

Aproveitou o fim do espetáculo e se levantou para ir embora. No meio do caminho, esbarrou com uma morena quase tão alta quanto ele próprio e de uma beleza singular. Não era linda, mas tinha algo de especial. Se alguém a descrevesse para ele, talvez achasse que não teria nada de mais, mas aquela mulher possuía charme e carisma únicos. Ficou tão impressionado com seus olhos de índia que esqueceu onde estava. Somente voltou a si quando ela o tocou no braço, situação em que ele sentiu como se levasse um choque. 

_ Você está bem? 

_ Hã? _ ele estava atordoado e ficou levemente rubro quando se tocou que olhava com fascinação para ela. 

_ Você parece estar em estado catatônico. _ ela riu e o sorriso iluminou a sua noite e todas as noites de sua vida. Era como se naquele instante nada importasse a não ser aquela mulher. O sorriso dela o trouxe de volta à realidade e, ao mesmo tempo, fez com que sua mente viajasse por lugares nunca antes imaginados. Como um sorriso poderia ter tamanho poder? Depois de finalmente se recompor, ele respondeu. 

_ Desculpe, mas... Mas você tem o sorriso mais bonito que já vi na vida. 

Ela sorriu de volta para ele, que notou as bochechas ficarem extremamente vermelhas. Desculpou-se por tê-la deixado envergonhada e recebeu um novo sorriso. Era como se fosse acariciado a cada vez que ela sorria. 

_ Você já vai? Poderíamos conversar um pouco. 

Um turbilhão de pensamentos povoou a sua mente e ele até se perguntou se não estava tendo uma alucinação. Estava sendo convidado para conversar pela mulher mais linda que vira na vida? Naquele instante, riu de sua própria volatilidade de sentimentos. Há poucos minutos estava praticamente babando pela cantora e agora tinha esquecido aquela e estava totalmente encantado com a mulher à sua frente. Finalmente respondeu que poderia ficar e a seguiu. 

Ela escolheu a mesa e os dois sentaram-se de frente um para o outro na última mesa do bar. Era um local parcialmente escuro, mas ainda mais aconchegante que o resto do local. Achou estranho ter sido chamado por ela para se sentar e conversar, mas quem seria ele para reclamar quando ele próprio nunca teria coragem para chamá-la? 

Conversaram durante meia hora sobre aquele bar, sobre a comida dali e sobre coisas sem a mínima importância, sem ao menos saberem os nomes um do outro, até que ele se lembrou novamente da cantora e mencionou querer perguntar ao garçom quando ela cantaria novamente. 

_ Mas eu sou a cantora. _ ela disse um tanto quanto assustada pelo fato de ele não ter percebido. 

Tentando não se engasgar com o suco que tomava, perguntou se ela estava falando sério. 

_ Claro que estou. Você não me viu lá na frente? _ ela passou a mão pelos cabelos e ele se arrepiou. Era como se fosse a sua mão ali acariciando as mechas castanhas. _ Eu vi você e corri para te alcançar antes que nos desencontrássemos novamente. 

Do que ela estava falando? Eles nunca haviam se encontrado, como poderiam se desencontrar? Ela o estava confundindo com alguém, era a única explicação plausível para tudo aquilo. Sentiu um pouco de aborrecimento com tal constatação e, como se para limpar aquele momento absurdo, passou as mãos pelo cabelo. Achara que ela viera até ele por causa dele e não porque o confundira com outro. 

_ Você não sabe quem eu sou, sabe, William? _ ela sorria ainda mais ao ver a expressão de espanto no rosto dele ao ouvir o próprio nome. _ Eu também não vou dizer. Vai ter que adivinhar. 

Ele conseguiu mexer um pouco os lábios no que seria um quase sorriso e forçou a memória para lembrar, mas em toda sua vida não lembrava de ter conhecido uma mulher como aquela. Com certeza ele se lembraria de alguém tão marcante. 

_ Você tem que me falar. Eu realmente não tenho idéia. _ ele manejou falar. 

_ Que tal uma dica? _ ela movimentou-se na cadeira e sorriu diante do desafio de fazê-lo se lembrar dela. Colocou os braços na mesa e inclinou-se na direção de William fazendo um olhar enigmático e perguntou finalmente. _ Eu conheço você há muito tempo. 

Uma garota da minha cidade natal. Mas que garota, pensou. Tentava lembrar. Estava realmente se esforçando, mas não conseguia. Não era alguém comum, era alguém especial e que obviamente lembrava-se muito bem dele. Mas quem? A garota mais bonita da escola tinha cabelos loiros e normalmente as mulheres ou garotas pelas quais ele se apaixonava tinham cabelos loiros. Não lembrava de nenhuma amiga tão bonita como ela. Ele jurou ter visto uma ponta de desapontamento no rosto dela quando balançou a cabeça de um lado para outro, mas, se foi desapontamento, ela disfarçou em seguida, estendendo a mão e se apresentando:

_ Sou eu, a Sari. 



XXXXXXXXX 



Durante o dia inteiro seguinte, todos os seus colegas perguntaram e brincaram muito com sua súbita felicidade. Não era comum ver William sorrindo para todos, dando bom dia ao entrar nos elevadores. Era, na verdade, muito incomum. Não que ele fosse arrogante, mas ele era calado e gostava de ficar assim. Era bem diferente de seus outros colegas. 

Mas aquele dia era diferente e ele estava radiante. Acordou pela manhã se sentindo outra pessoa. Até seus cabelos, que normalmente considerava rebeldes, o obedeceram e ficaram no lugar na primeira passada da escova. Seus olhos estavam mais verdes e brilhantes que nunca e o sorriso não saía de seus lábios desde os primeiros raios de sol. Obviamente, foi perguntado diversas vezes sobre o que havia acontecido e nem ele mesmo sabia responder esta pergunta. Nada. Nada acontecera. Nada importante acontecera naquele dia... 

Ele simplesmente encontrara uma velha amiga da escola e conversaram até as quatro horas da manhã, somente saindo do bar porque já estavam limpando e retirando todas as cadeiras do chão. Foram praticamente expulsos do local. Mas tudo valera a pena. Fazia anos que não havia se sentido daquela forma. Aliás, ele nunca estivera daquele jeito. Nem quando conseguira entrar para o FBI ficara tão feliz. 

Conversaram sobre os mais variados assuntos, sobre suas profissões e suas vidas. Sari era engenheira espacial e se preparava para, no futuro, chefiar ônibus espaciais. Era inteligente e decidira cantar no bar aquela noite simplesmente por diversão e por ser um local onde não haveria ninguém conhecido. Ficou sabendo que ela gostava de cantar. Havia inclusive, durante anos, estudado canto e alguns instrumentos mas, eventualmente, sua vida de cantora se tornara um hobby. A vontade de ser engenheira espacial e seguir os passos do pai haviam sido maiores. 

Que ironia do destino, pensou William. Ir a um local e reencontrar um velho amigo. Ele deixara claro a ela que não a reconhecera porque ela realmente estava muito diferente e muito mais bonita do que quando criança. Estava perfeita, mas não disse isso a ela. 

A manhã inteira se passou sem que conseguisse retirar o sorriso bobo dos lábios ou fazer seu coração parar de acelerar quando lembrava da noite anterior. Arrependeu-se de não ter marcado nada para o futuro, nem mesmo um outro encontro no bar, o que faria com que ele fosse até lá todos os dias durante as semanas seguintes. 

Em nenhum dos dias ela esteve lá. Nenhum. Talvez não tenha gostado da minha companhia como gostei da dela, pensava. E não havia nada em sua vida que tivesse sido tão bom quanto aquela noite. Eu sou ridículo, ele pensava, enquanto se dirigia à porta de saída em uma das noites. Talvez eu a encontre na saída e ela diga que não pôde aparecer porque estava trabalhando muito, imaginou. E instantaneamente ficou atento a todas as pessoas que passavam por ele e a todas as mesas, mas foi embora e nada aconteceu. 

Um mês depois, ele fora chamado ao gabinete do Diretor Geral do FBI. Estranhou o fato, visto que o Diretor Geral raramente chamava um dos agentes especiais pessoalmente e, mesmo sem ter feito nada de errado, se sentiu como indo para a sala do diretor na escola depois de ter sido pego colando no teste de Inglês. Sempre fora ruim em Literatura. 

Chegando à sala, esperou agitado por mais de meia hora até que foi recebido. Nunca estivera naquela sala, tampouco tinha idéia do tamanho dela. Ali deveriam caber facilmente umas três salas de Diretores Assistentes. Imaginou o tanto de reuniões e o tanto de pessoas que poderiam se reunir ali para decidir sobre os assuntos mais importantes do país. Por um segundo, sentiu um pouco de inveja daquele senhor que ocupava tão importante cargo no seu país e sentiu vontade de batalhar para chegar ali. 

Arranjara, então, mais um desafio para si. 

Sentou-se na cadeira muito confortável de frente para o Diretor e recebeu a pasta que teria que investigar e as explicações a respeito dela. 


XXXXXXXXX 


Já fazia alguns dias que trabalhava sozinho na pasta referente a dois ex-agentes do FBI, já que Monica estava ocupada com outro caso antigo em que a família havia requerido seus serviços especialmente. Os dois ex-agentes haviam sido declarados mortos devido ao seu desaparecimento vinte anos antes. William conseguira descobrir pouco sobre os dois, principalmente devido ao tempo. A maioria das informações estava arquivada e lacrada, sendo quase impossível saber maiores detalhes sobre aqueles dois. Algo, no entanto, não estava claro. O Diretor nunca dissera porque o súbito interesse neles e William também não perguntara. 

Estava sentado tentando fazer algum sentido do pouco que havia conseguido daqueles ex-agentes quando a agente Reyes adentrou a sala. Fazia semanas que não a via. 

_ Olá, agente Reyes. Quanto tempo... 

_ Verdade, Agente Van De Kamp. _ percebendo uma nova pasta em sua mesa, ela perguntou. _ Novidades? 

_ Na verdade, sim. Fui designado pelo Diretor Geral do FBI para encontrar um casal de ex-agentes do FBI desaparecido há mais de vinte anos. 

Monica sentiu um aperto no peito. Estaria ela mais perto de encontrá-los? 

_ Fox William Mulder e Dana Katherine Scully. Você os conhece? 

Com as pernas bambas, ela tratou de se sentar imediatamente para não deixá-lo perceber. Respirou fundo antes de pensar no que responderia a ele. Diria que já trabalhara com os dois ou mentiria dizendo que nunca ouvira falar? Precisava da confiança de William. Não poderia se dar ao luxo de perdê-la. 

_ O que você já descobriu sobre os dois? _ resolveu desconversar e aparentemente deu certo, pois William respondeu prontamente. 

_ Que os dois trabalharam durante nove anos juntos numa seção de casos não resolvidos chamada Arquivo X. Mas essa seção foi desmantelada assim que eles desapareceram e, até hoje, mais de vinte anos depois, ninguém tem acesso aos arquivos X. _ após uma breve pausa, ele continuou. _ Não entendo até agora porque o interesse depois de tantos anos, mas estou fazendo meu trabalho. Já procurei na Intranet do FBI e não encontrei muita coisa. Conversei com algumas pessoas, mas são poucas as que os conheceram. Aparentemente eles não eram muito sociáveis. Eram até arrogantes, pelo que ouvi dizer. 

_ E o que os antigos colegas dos dois dizem sobre eles? Algo mais específico? _ ela estava curiosa e precisava saber o quanto ele sabia de toda a história e se seu nome ou de Doggett apareciam. 

_ Dizem que os dois eram loucos. Que perseguiam o próprio governo que, na opinião deles, conspirava contra a sociedade. Nunca ouvi tamanha besteira. E esses dois eram inteligentes. Ela era médica e física e ele psicólogo. Ambos com altas recomendações de Quântico. _ ele se levantou e passou a mão na cabeça como se tentasse entender o que poderia ter passado pela cabeça daqueles que poderiam ser seus colegas a fazer tantas besteiras e a perseguir arquivos insolúveis. Se eram insolúveis, como solucioná-los?

_ Eu... _ ela começou. 

_ O quê? Você os conheceu? _ William se empolgou com tal possibilidade e a interrompeu. Precisava encontrar os ex-agentes para que pudesse ter em sua ficha que concluiu um serviço especialmente designado a ele pelo Diretor Geral do FBI. Quem sabe não seria um degrau na grande escada até alcançar seu objetivo? 

_ Eu os conheci, sim. E para mim eles não eram nem um pouco arrogantes. Gostavam do que faziam. Aliás, eram apaixonados pelo que faziam. E tampouco eram loucos. Eles estavam atrás da verdade. _ e ainda estão, ela pensou, antes de continuar. _ É tudo o que eu sei. 

_ E nenhum dos dois era casado, como diz suas fichas. Eles eram amantes? 

_ Até onde eu sei, eles tiveram um filho juntos. _ ela achou que tivesse somente pensado na frase até que olhou para William e viu seu olhar atônito. Droga, pensou, tinha que tomar mais cuidado. 

_ Eles tiveram um filho?! E onde está o filho? Talvez com os pais deles? Mas os registros dizem que os pais já morreram, de ambos. Irmãos, talvez. Isso, irmãos. 

E como se ela não mais existisse, ele ligou o computador e foi atrás dos irmãos de Fox William Mulder e Dana Katherine Scully. 


XXXXXXXXX 


_ John, talvez tenhamos alguma chance. 

O fio de esperança que se acendeu nos dois ao saber da notícia de que teriam um agente especialmente designado para achar Mulder e Scully foi fenomenal. Mas ela precisava tomar cuidado com o que ele pudesse descobrir. Não queria trair a confiança dele, então precisava ser extremamente cuidadosa agora. 

_ Não saber é devastador. Imaginar é horrível. Eu espero que os encontremos vivos. 

_ Eu também, John, eu também... 

Os dois continuaram deitados, abraçados. Em silêncio, cada um viajava nos próprios sonhos nunca alcançados por viradas que o destino fizera em suas vidas. Filhos, nem pensar. Discutiram por anos, mas decidiram não tê-los. Sempre tiveram medo de ter que fazer o mesmo que Scully e Mulder. Se era para viver, que vivessem juntos e tentassem ser um pouco felizes. Dentro do possível, eram felizes. Moravam numa casa grande. Na verdade, grande demais para os dois, mas Doggett nunca se acostumara com apartamentos e ela não tinha problema com nenhum dos dois. 

A vida profissional continuou a mesma, e melhor depois que os dois se reencontraram. Prometeram então nunca mais se separar. Nunca mais. Não importando o que acontecesse. 

XXXXXXXXX 

A tarde naquele mês estava bastante agradável e William sentiu vontade de sair do escritório para ver o mundo, ver as pessoas e tentar espairecer a mente do caso em que estava trabalhando. Quem sabe se se desligasse um pouco de tudo, conseguiria pensar em alguma coisa. Aproveitou alguns minutos de folga e foi ao Café perto do FBI tomar um capuccino. Era uma tarde linda e ele estava disposto a aproveitá-la, mesmo que sozinho. 

Caminhou alguns poucos metros até chegar ao Café. O lugar estava cheio como sempre ficava naquela época do ano e ele demorou ainda alguns minutos para ser atendido. Com seu capuccino na mão, escolheu uma mesa na calçada, junto com outras três, e ficou a observar as pessoas que caminhavam por ali e as que estavam no Café. Havia um casal numa das mesas ao lado da sua e ele se sentiu enciumado. Estava há alguns meses no FBI, numa cidade nova, num ambiente totalmente novo e ainda não havia conseguido amigos ou uma namorada. A melancolia tomou conta dele e quase estragou sua tarde. 

Foi então que virou o rosto para o lado oposto ao do casal e a viu. Meses depois eles se reencontravam da forma mais imprevista possível. Ele fez de tudo e quis forçar o destino, mas o acaso a trouxera de volta. 

Ele sorriu para ela e não foi preciso palavras para perceber que ela também estava contente por vê-lo. Sentou-se na cadeira próxima à de William e começaram a conversar como se tivessem se visto no dia anterior e no dia anterior a ele. Era como se se conhecessem desde sempre e gostassem da companhia um do outro. 

William estava tão absorto com sua companhia e na gostosa sensação que ela proporcionava, que não ouviu nada do que o casal ao seu lado estava conversando. 

Na mesa oposta a de William, um outro casal discutia em voz baixa. 

_ Já perdemos tempo demais, sabe disso. Não quero desistir. Não vou desistir enquanto não encontrá-lo. 


CONTINUA...


Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

A Décima Temporada foi trazida a você por Subsolo.org, com patrocínio do Instituto de Física Avançada Roland. Aprenda tudo sobre física, até como congelar uma cabeça humana.