Perfect Partners - Parte 1


Washington, Capital
3:46 p.m.


A figura envolta em um sobretudo preto atravessou o gramado sob a fina garoa daquela tarde de novembro. As folhas caídas no chão formavam um mosaico de tons amarelados, contrastando com os galhos enegrecidos das árvores que apontavam para o céu cinzento. Depois de percorrer a distância que a separava do seu destino, ela se deteve por alguns instantes, seus olhos fixos no pequeno pedaço de mármore. Ajoelhou-se lentamente e seus dedos percorreram as letras gravadas. Aquele nome já não lhe dizia mais nada. Era parte de um passado que há muito já não existia.

Ainda assim, tais lembranças a atormentavam há vários anos. Não sabia de onde elas vieram e nem o porquê. Tudo o que tinha era um punhado de cenas fragmentadas, rostos e vozes que desconhecia. O vento roçava-lhe os cabelos vermelhos e encaracolados, fazendo com que caíssem sobre seu rosto pálido. Sabia que estava assumindo um enorme risco ao voltar depois de tanto tempo, mas desde que escapara daquele lugar, algo em seu íntimo lhe dizia que as respostas para suas perguntas estavam ali. O seu passado, a vida que haviam lhe tirado. Tudo. Levando a sua mão à testa, ela removeu uma mecha que caíra sobre seus olhos, revelando a velha cicatriz em sua têmpora. O local onde a bala penetrara em seu crânio.

– É muito triste quando acontece com alguém tão jovem – disse uma voz atrás dela.

Ao se virar, ela se deparou com uma senhora idosa. Estava tão absorta em seus próprios pensamentos que não notara a sua aproximação.

– Você a conhecia? – ela perguntou à mulher, que segurava uma rosa branca em suas mãos.

– Na verdade, não. Por um momento, pensei que fosse outra pessoa.

– Outra pessoa?

– Uma mulher de cabelos vermelhos como os seus. Ela costumava vir aqui uma vez por ano, neste mesmo dia. Mas já faz muito tempo que não aparece mais. Você a conhece?

– A-Acho que não – ela balançou a cabeça, visivelmente abalada.

– Eu sinto muito, sei que não deveria estar me intrometendo...

– Não, por favor, continue.

– Sei o quanto é difícil perder alguém. Vocês... eram próximas?

Ela fechou os olhos e apenas acenou com a cabeça. – Eu não sei porque vim para cá.

– Imagino que deve trazer lembranças dolorosas.

– Eu só queria entender.

– Certas coisas simplesmente acontecem. Não há o que se entender – disse-lhe com uma voz terna.

– A vida, a morte. O destino? – ela retrucou, amarga.

– Minha jovem, não é fácil aceitar que, às vezes, estamos à mercê de coisas além de nossa vontade.

Aquelas palavras lhe soavam tão familiares, mas não conseguia aceitá-las. Não depois de tudo que lhe acontecera.

– Eu sinto muito, mas eu não acredito mais nisso. Esta mulher... – ela apontou para a lápide – ...morreu pelas mãos de homens que acreditavam ter o poder de decidir quem vive e quem morre. Não me venha falar de destino!

– Não estou dizendo que é justo, mas não pode deixar que esta mágoa, este rancor, a destrua também.

– Eu já estou morta. Há muito mais tempo do que a senhora imagina – ela se virou e se afastou rapidamente, como se não quisesse encarar a verdade nas palavras daquela desconhecida. Seus olhos estavam úmidos, seu rosto crispado de ódio.


Ao chegar até o carro, bateu a porta com força, assustando o jovem que estava sentado no banco do passageiro.

– O que houve? – ele perguntou.

– Nada – ela respondeu, enquanto dava a partida no motor – Vamos embora daqui.

– Más lembranças, não é?

– Eu não me lembro de ter lhe dado permissão para ficar bisbilhotando na minha cabeça.

– Desculpe. – ele murmurou – Às vezes, eu esqueço.

A expressão da mulher se atenuou e ela levou a mão ao rosto dele – Não precisa se desculpar. Você não fez nada.

– Eu posso ajudar você a se lembrar. Está tudo aí dentro. Só assim você pode saber o que e como procurar – ele lhe disse.

– Não é tão simples assim, sabe disso. Preciso me lembrar aos poucos e eu acho que estou conseguindo.

– Mesmo?

– Estou. Ainda que a maioria destas lembranças não sejam exatamente agradáveis.

– Aonde vamos agora?

– Para casa. Não podemos nos arriscar muito. Eles estão bem perto e, se formos vistos, tudo estará perdido.

– Eles não vão pegar a gente de novo, vão?

– Não. Eu prometo.

O carro partiu com seus dois ocupantes e desapareceu rapidamente no meio do trânsito daquele fim de tarde.

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Edifício J. Edgar Hoover, Sede do FBI
Washington, Capital
Dois meses antes
8:47 p.m.

Monica Reyes se preparava para voltar para casa depois de um longo dia. Seus pensamentos estavam longe dali, mais precisamente nos eventos que se seguiram ao dia em que ela e o parceiro retornaram do Novo México. Freqüentemente era assombrada por estas lembranças, como um sonho recorrente a cada noite. Tanto ela como o parceiro foram designados para outros departamentos, supervisionando o trabalho dos agentes recém-formados. Ela, na Seção de Pessoas Desaparecidas, e ele, na Divisão Antiterrorismo. As buscas continuaram, mesmo anos depois do desaparecimento dos dois mas, eventualmente, o FBI desistiu de procurá-los. Havia outras prioridades, naquele momento, e não estavam dispostos a despender recursos e homens para encontrar duas pessoas que poderiam já estar mortas.

Ainda que, naquela época, já desconfiasse que a verdade sobre o caso jamais viria à tona, isso não diminuiu a sua revolta e talvez tenha precipitado o seu afastamento do trabalho de campo. Queria deixar tudo para trás e começar uma outra vida, longe dali, mas algo a impedia de partir. Durante anos, temera por sua própria vida, mas, estranhamente, eles não fizeram nada a não ser afastá-la de seu parceiro. Ambos mantiveram seus empregos no FBI, mas o acesso aos Arquivos X lhes fora negado. Todos os arquivos e documentos foram selados e sua informação classificada como confidencial. A verdade fora enterrada, mais uma vez.

Antes de sair, passou pela mesa de seu novo parceiro e deixou uma pasta com os relatórios do último caso em que trabalharam. De certa forma, era melhor que ela e John estivessem separados. Aquela seção era o último lugar em que ela gostaria que ele trabalhasse. Pessoas desaparecidas. Em sua maioria, crianças. Desta vez, porém, o final fora um pouco diferente. Conseguiram chegar a tempo. Mas nem sempre era assim.

– Agente Reyes?

– Agente Van de Kamp?

Foi então que notou que jamais o chamara pelo primeiro nome, desde que haviam começado a trabalhar juntos, há 6 meses. William Van de Kamp tinha pouco mais de 25 anos, um agente recém-saído da Academia na época em que se conheceram, e havia sido designado para ficar sob a sua supervisão até que pudesse conduzir uma investigação por conta própria. O que seria apenas uma questão de tempo, pois ele já havia provado várias vezes que não se graduara primeiro da turma por mero acaso. “Um agente com uma carreira promissora”, era o que diziam pelos corredores. Diziam o mesmo sobre um certo Fox Mulder, ela pensou. Um sorriso triste lhe tomou os lábios.

– O garoto já está com os pais – sua voz cortou-lhe os pensamentos mais uma vez.

– É. Eu soube. – ela o encarou por um breve instante, tentando esconder o leve sobressalto que a acometera.

William.

Este nome lhe trazia péssimas lembranças. Logo desviou o olhar.

É só um nome.

William se levantou e pegou o seu casaco. – Acho que também vou encerrar por hoje. Podemos continuar este relatório amanhã, foi um dia longo.

Monica assentiu com a cabeça antes de sair da sala seguida pelo jovem agente.

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Nas semanas seguintes ambos foram designados para outros casos. Monica passou a supervisionar outros agentes menos experientes e William, como ela mesmo previra, já recebera a incumbência de conduzir sozinho suas investigações. Em virtude de suas novas atribuições, raramente se viam ou se falavam, exceto quando se encontravam rapidamente pelos corredores ou elevadores. Há cerca de umas duas semanas, entretanto, ela não o via. Estava se questionando sobre isso enquanto retornava da sala do Diretor-Assistente depois de entregar um relatório.

Logo ao entrar na sala onde ficava a sua seção, o encontrou, sentado à mesa, estudando, com atenção, o conteúdo de uma pasta aberta à sua frente. Monica estranhou que William tivesse um daqueles documentos em mãos. Reconhecera a pasta imediatamente - era um Arquivo X. Antes que ela perguntasse, ele lhe contou que havia sido designado pelo Diretor Geral do FBI para investigar um caso que acabara de ser reaberto. Dois agentes desaparecidos há mais de 20 anos.

Fox William Mulder e Dana Katherine Scully.

Ela mal pôde conter o choque, mas conseguiu evitar que ele notasse. Algo deve ter acontecido, pensou consigo mesma. De alguma maneira, eles devem ter obtido informações que provam que os dois podem estar vivos." Os pensamentos cruzaram sua mente em ritmo vertiginoso e ela mal ouvira o que ele dizia. Era a chance pela qual ela e John esperavam durante todos estes anos. Cautelosa, se limitou a dar-lhe algumas informações e saiu rapidamente. Precisava falar com seu antigo parceiro.

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9:03 p.m.

John Doggett retornara à sua sala, depois de uma reunião com os agentes sob sua supervisão. Há alguns meses fora promovido a chefe da força-tarefa responsável pelo combate ao terrorismo doméstico e os rumores eram de que seria designado para uma investigação no Estado do Oregon. Segundo o escritório local do FBI, havia fortes indícios de atividades de grupos paramilitares na região, o que havia levado Washington a reunir seus melhores agentes e mandá-los para lá.

Ao chegar à sua mesa, encontrou um pequeno pedaço de papel cuidadosamente dobrado. A caligrafia era inconfundível. Passou os olhos discretamente sobre o bilhete antes de colocá-lo no bolso interno do paletó.


9:36 p.m.

Após certificar-se de que não estava sendo seguido, estacionou o carro e andou calmamente em direção ao pequeno banco que ficava em frente ao espelho d’água, de onde também se podia avistar o obelisco.

– Reabriram o caso, é isso que queria me dizer? – ele lhe perguntou ao se aproximar.

Monica acenou com a cabeça. – As notícias correm rápido.

– É. Não falam de outra coisa por lá – ele respondeu, com um semblante preocupado – Sabe o que isso significa, não sabe?

– Temos que encontrá-los antes.

– Este garoto, Van de Kamp, confia nele? – ele se sentou ao seu lado.

– É um bom agente, John, mas nem desconfia de que vão usá-lo para conseguir o que querem – ela olhou para a pasta que tinha nas mãos – Não quero envolvê-lo nisso também, é arriscado demais. Estamos sozinhos nisso e talvez seja melhor assim.

John balançou a cabeça. – Se ao menos tivéssemos acesso aos arquivos...

Ela sorriu ao lhe mostrar a pasta. – Já temos.

– Onde conseguiu isso? – ele a encarou, surpreso.

– Também estou no caso – ela respondeu.

– Mas... como conseguiu que a designassem?

– Não fui eu. Van de Kamp pediu que me designassem como parceira dele. E eles não fizeram objeção.

– Estranho. Sempre nos negaram qualquer pedido parecido antes. Por que mudariam de idéia logo agora?

– Não sei, mas aproveitarei esta chance. Talvez seja a única, John.

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Georgetown, Washington, Capital
11:25 p.m.

William olhou para a tela do computador, desanimado. Mulder não tinha mais parentes vivos. E da família de Scully só restara dois irmãos. Ambos altos oficiais da Marinha, estacionados em algum lugar próximo ao Golfo Pérsico. Teria que procurar por pistas em outro lugar.

Várias semanas haviam se passado desde que ele e Monica começaram a trabalhar naquele caso. E por mais que pesquisassem, não encontravam absolutamente nada. E o que o deixava mais intrigado era a postura de sua parceira. Algo nela lhe dizia que estava escondendo alguma coisa. E o seu interesse pelo trabalho naquela seção era algo que também lhe chamara a atenção. Sempre que lhe perguntava algo, porém, ela simplesmente mudava de assunto. Nunca insistia, mas aquilo o incomodava.

Não conversavam muito além dos assuntos relacionados ao trabalho. E ela não lhe dava a abertura suficiente para lhe perguntar. A única coisa que sabia é que morava junto com o ex-parceiro, um agente da Divisão Antiterrorismo. Certa vez, ele a vira pesquisando alguns arquivos depois do expediente e, quando ela notou a sua presença, guardou-os rapidamente, como se não quisesse que ele visse o que ela estava fazendo. Chegou a pensar se teria sido uma boa idéia tê-la como parceira se ela não confiava nele. No entanto, a considerava uma boa profissional e aquele caso exigia agentes qualificados para a tarefa.

Olhou novamente para a tela de seu computador, onde as fotos dos dois ex-agentes o encaravam com seriedade. Imaginou que tipo de pessoas seriam eles, fora das paredes do Bureau. Que espécie de vida levariam? Sabia, por suas fichas, que eram ambos solteiros, aparentemente reclusos e, poderia se dizer, quase anti-sociais.

William imaginou se, trabalhando juntos por tantos anos, não teriam tido algum envolvimento amoroso. Jovens, bem apessoados, obrigados, por força do trabalho, a passar muito tempo ao lado um do outro, não parecia improvável que isso tivesse acontecido. Afinal, eram, antes de tudo, dois seres humanos e seres humanos precisam de companhia.

– Sim, meu jovem. Seres humanos precisam de companhia.

William desviou os olhos da tela e encarou o velho índio. Albert era seu nome.

– Faz muito tempo desde que nos vimos pela última vez, Albert. Senti sua falta.

O índio assentiu lentamente. – Mas você não precisou de mim, não é mesmo? Se precisasse, eu teria aparecido.

William sorriu. Era verdade. Sempre que precisava, Albert aparecia para ele. Era assim, desde que era bem pequeno e ainda brincava com os pequenos búfalos brancos de seu velho móbile. Desde aquela época, o índio sempre surgia para ele nos momentos de maior dificuldade com um conselho ou uma palavra de conforto. Fora assim quando sua casa se incendiara, em 2012, e quando seu avô morrera, anos depois. Fora assim quando decidira não aceitar a bolsa universitária e quando resolvera entrar para o FBI. O velho nunca lhe faltava quando precisava. Como naquele momento.

– Que faço, Albert? Que rumo devo seguir nessa investigação? Devo confiar em minha parceira, mesmo quando ela parece estar me escondendo algo?

Albert sorriu diante da inquietude do rapaz. Quando rompeu o silêncio, sua voz grave e profunda ecoou na sala vazia.

– Calma, meu jovem. Tudo a seu tempo. Confie em seu coração para encontrar os caminhos. Olhe nos olhos daqueles procura em busca das respostas. Elas estão muito mais perto do que você supõe.

Sem sentir, William percebeu-se uma vez mais fitando as imagens dos agentes na tela de seu computador. Mas aqueles rostos sisudos não lhe forneciam resposta alguma. Apenas aumentavam sua apreensão.

– Mas eles não me dizem nada, Albert... – disse, finalmente desviando o olhar na direção do velho índio.

Albert, porém, não estava mais lá. E a William, só restava refletir sobre suas palavras.

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Edifício J. Edgar Hoover, Sede do FBI
Washington, Capital
7:53 a.m.

William entrou na sala com dois copos de capuccino que colocou sobre a mesa antes de tirar a pasta que carregava embaixo do braço. – Bom dia. Achei que você gostaria de tomar alguma coisa.

Monica sorriu em agradecimento e pegou um dos copos que ele lhe ofereceu.

– Alguma novidade? – ele perguntou.

– Infelizmente, nenhuma.

– Perfeito... – ele deu de ombros antes de sentar-se à mesa.

As pistas sobre os caso eram em sua grande maioria desencontradas e pouco confiáveis e a passagem do tempo tornara a tarefa de reuni-las e verificá-las ainda mais difícil. Para onde quer que fossem, era como se estivessem em um beco sem saída.

Os dois ex-agentes haviam literalmente desaparecido sem deixar rastros. Ninguém lhe dissera que seria uma tarefa fácil. Era como um desafio, dissera a si mesmo antes. Mas, mesmo ele, que adorava desafios, estava desanimado com a falta de perspectivas.

– Você os conheceu – William se encostou em sua cadeira, com os braços atrás da cabeça – Eram próximos?

Monica desviou o olhar, pensando no que dizer. Depois de uma longa pausa, respondeu – De certa forma. Eu os respeito como colegas e, acima de tudo, os considero como amigos.

William notou que ela se referia a ambos no presente, mas, ao contrário das outras vezes, ela não assumiu uma postura defensiva. Aproveitou a chance para tentar se aproximar. – Por isso aceitou este trabalho? Ainda tem esperança de encontrá-los?

– É o nosso trabalho, não é? Encontrar pessoas – ela respondeu, evasiva.

– Só que estas pessoas obviamente não querem ser encontradas.

– Como eu disse, é o nosso trabalho. O café estava ótimo, parceiro, só que temos um longo dia pela frente e uma pilha de arquivos à nossa espera – Monica pôs fim à conversa e passou a estudar as pastas abertas sobre sua mesa.

William assentiu com a cabeça, mas não escondia a frustração. Alguns minutos se passaram enquanto ele folheava os arquivos da pilha que estava ao seu lado. Impaciente, passou a observar a parceira, que parecia concentrada em sua leitura.

– Agente Reyes? – a sua voz quebrou o silêncio da sala.

Monica levantou a cabeça, dirigindo-lhe um olhar de interrogação.

– Estes Arquivos X, o que pode me dizer sobre eles? – ele continuou.

– O que quer saber? – ela franziu a testa.

– O que está disposta a me contar? – ele rebateu, sério.

– Isso vai nos ajudar com o caso? – ela perguntou.

– De certa forma, sim – ele respondeu – Quero saber mais sobre Mulder e Scully e talvez conhecer o trabalho deles seja a melhor forma de conhecê-los.

– Que seja – Monica fechou a pasta e removeu os óculos – Por onde quer que eu comece?

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Falls Church, Virginia
11:35 p.m.

– Oregon? – Monica deixou de lado o livro que estava lendo.

– É. O vôo sai amanhã de manhã – Doggett se sentou na beirada da cama depois de tirar o paletó e afrouxar a gravata. – O FBI organizou a força-tarefa à pedido do escritório de Portland e fui designado pra conduzir as investigações. E então, alguma novidade sobre o caso?

– Nenhuma. Não saímos do lugar.

– Não acha isso estranho? Talvez haja algo que não estamos enxergando aqui. Por que reabrir o caso depois de tanto tempo? É óbvio que eles sabem de alguma coisa, mas acredito que não têm os meios para confirmar o que sabem. E é aí que o seu parceiro e você entram na história.

– Pode ser, mas não acho que esta investigação vá muito longe.

– E o garoto? Acha que ele pode saber de alguma coisa?

– Acho que não. Na verdade, ele é quem quer arrancar coisas de mim. Tenho que admitir que é persistente. É tão teimoso quanto alguém que eu conheço.

– Pelo visto vocês dois estão se dando bem agora.

– John... – Monica o encarou, sorrindo – Se eu não o conhecesse tão bem, diria que percebi um quê de ciúme neste comentário.

– Eu não disse nada de mais... – ele ergueu as mãos na defensiva – Mas já que tocou no assun-- Ei!

– Isso é pra você parar de pensar besteiras, Agente Doggett – Monica pegou o travesseiro que acabara de arremessar.

– Certo, Agente Reyes... certo – ele sorriu ao sair do quarto.

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Edifício J. Edgar Hoover, Sede do FBI
Washington, Capital
Dois dias depois
8:06 a.m.

O telefone estava tocando quando ele chegou. Estranhou o fato de a parceira ainda não ter chegado. Colocou a pasta de arquivos que trazia consigo sobre a mesa e atendeu a ligação.

– Van de Kamp.

A voz do outro lado o convocava para uma reunião com o Diretor Adjunto. Antes que pudesse responder, ouviu o clique do telefone sendo desligado. Resolveu ligar para o celular da parceira, mas só conseguiu acessar a caixa postal. Deixou um recado e saiu rapidamente em direção ao elevador.

Ao chegar à sala de reuniões, viu que o Diretor Adjunto estava acompanhado de outros membros do alto escalão do FBI. Todos estavam sentados à mesa de conferências, onde um lugar vago o aguardava. Sentou–se em silêncio e observou os rostos à sua volta, tentando esconder o desconforto que aquela situação lhe causava.

– Agente Van de Kamp, sabe por que foi chamado a esta reunião? – O Diretor Adjunto finalmente lhe dirigiu a palavra.

– Não fui informado, senhor.

Um dos homens à mesa lhe entregou uma pasta. Era uma cópia do arquivo do caso em que estava trabalhando.

– Os originais destes arquivos desapareceram e temos razões para acreditar que a Agente Reyes é a responsável. Sabe onde ela pode estar? – ele lhe perguntou.

– Não a vi hoje, senhor, e não saberia dizer – William respondeu.

– A Agente Reyes não se apresentou à reunião para o qual foi convocada esta manhã e não conseguimos entrar em contato com ela desde a noite de ontem. Tendo em vista a gravidade da situação, decidimos suspender as investigações do caso e designá-lo para outra tarefa.

– Outra tarefa?

– Encontrar a Agente Reyes e recuperar estes arquivos.

Ainda atordoado, William retornou à sua sala após o término da reunião. Fora questionado e interrogado exaustivamente por cada um dos presentes. Depois de se convencerem de que ele estava lhes dizendo a verdade, o dispensaram. Quando lhes perguntou se tinham provas do envolvimento de sua parceira, não lhe responderam. Tudo o que sabia era o que eles queriam que ele soubesse. A mensagem era clara.

Algo naquela história não se encaixava com a versão dos fatos que lhe foram apresentados. No entanto, a única pessoa que poderia lhe explicar o que estava acontecendo não estava ali para responder as suas perguntas. Seus olhos pousaram sobre os objetos que estavam sobre a mesa de Monica Reyes. Uma pequena coleção de cristais ao lado do bloco de anotações. Ele chegou a sorrir, lembrando do que ela lhe dissera uma vez sobre energias negativas.

Pegou um dos cristais e observou o efeito da luz em seu interior. Ao colocá-lo de volta no lugar, algo chamou-lhe a atenção. No bloco de anotações pôde ver a marca de algo que fora escrito na folha anterior. Com um lápis, riscou cuidadosamente a superfície do papel. Aos poucos, uma série de letras e números tornou-se visível: AA0603. Aquilo parecia o número de um vôo, logo deduziu. Pegou o telefone e pediu à telefonista o número da companhia aérea.

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Rota 1105 – Sentido Norte
Próximo à fronteira do Estado do Oregon
7:45 p.m.

A chuva só aumentava de intensidade e a visibilidade era mínima naquela estrada secundária estreita e mal sinalizada que cortava uma vasta área rural, cercada de árvores pelos dois lados. Monica tamborilava com os dedos no volante e ponderava se não era uma boa hora para mais um cigarro. Seria o terceiro em pouco mais de quatro horas, um recorde, considerando que há anos deixara de fumar com regularidade. A música antiga no rádio era “Dust in the Wind”, finalmente se lembrara. “Somos apenas poeira ao vento”, dizia o refrão. “Profundo”, ela pensou consigo mesma.

O motel não estava muito longe. Mais uns 50 quilômetros e então poderia finalmente descansar. Sentia-se em frangalhos. Amargara cinco longas horas sem poder mover as pernas na classe econômica do vôo que a trouxera ao Oregon e já estava há mais de 3 horas dirigindo. John não aprovaria de forma alguma o que estava fazendo e por isso não se preocupou em avisá-lo. Um rápido telefonema para o escritório de Portland e ela conseguira o nome da cidade onde ele estava. Com certeza ele ficaria furioso quando a visse. Tal pensamento a fez sorrir consigo mesma.

Estendeu o braço em direção ao banco do passageiro onde estava o maço de Morley Lights e pegou um cigarro. Desviou os olhos para o painel por um breve instante à procura do botão do isqueiro. Foi quando um clarão à sua frente fez com que voltasse o olhar para a estrada. Num reflexo, seu pé tocou o freio e o carro deslizou sobre a pista molhada. Só que ela reagira tarde demais.

O que John sempre lhe dizia toda vez que acendia um cigarro? O pensamento cruzou sua mente numa fração de segundo.

“Um dia esta porcaria ainda vai te matar, Monica.”


7:47 p.m.

Ele tentava acompanhar-lhe os passos com dificuldade. A mulher à sua frente movia-se com desenvoltura, abrindo a trilha que os levaria para um local seguro. Estavam retornando de uma caçada quando começou a chover, o que os atrasou o suficiente para que a noite chegasse antes que deixassem a floresta.

A chuva torrencial castigava aquela região durante quase dois terços do ano, tornando-a habitável somente para os que se dispunham a enfrentar condições tão adversas ou que talvez quisessem encontrar ali o mais completo isolamento. As descargas elétricas iluminavam o céu, destacando o contorno formado pela copa das árvores e proporcionando um espetáculo ao mesmo tempo belo e assustador. No meio daquela tempestade, seus olhos se voltaram para o forte clarão que surgiu na mata, a mais ou menos cinqüenta metros dali.

– O que foi, Meg? – ele perguntou, ofegante.

Ela fez um sinal para que se calasse, seu olhar fixo no local de onde emanava aquela estranha luz. A floresta estava em chamas.

– Fique aí – ordenou.

Ao se aproximar, ela pôde ver que à beira estrada havia um carro tombado. Uma árvore estava caída no meio da pista, provavelmente derrubada por um dos raios que cortaram o céu momentos antes.

Correu até o veículo e, através do pára-brisa estilhaçado, pôde ver o seu ocupante. Uma mulher.

– Está viva? – ele a questionou, à distância.

– Não por muito tempo – ela respondeu – Temos que tirá-la daqui.

O cheiro de gasolina era forte. Em um gesto rápido, ela girou a chave e desligou o motor. A chuva cuidaria do resto e evitaria o pior. A porta do carro estava emperrada. Não havia como tirá-la pela janela sem feri-la ainda mais. Sem pensar duas vezes, agarrou a maçaneta e puxou com força, arrancando a porta com facilidade. Com cuidado, ela removeu o cinto de segurança e puxou o corpo da mulher para fora do veículo.

– Scully... – ela balbuciou antes de perder a consciência.

Ao voltar-se para o rosto da mulher que agora segurava em seus braços, uma sensação estranha percorreu-lhe a espinha. Aquele nome lhe era estranhamente familiar.

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CONTINUA