Perfect Partners 

parte 2

 

Freqüentemente tinha “flashes” de memória como aquele. Mas nada que fizesse algum sentido. Nunca dera muita importância. Algo, no entanto, a incomodava. O seu passado sempre fora uma incógnita. Todos chamavam-na de Meg. Não tinha um sobrenome. Adotara então o nome daqueles que se tornaram a sua família. Mas por que tudo aquilo não lhe parecia mais o suficiente?

Sentada à mesa, sozinha em seu quarto, ela folheava um pequeno dossiê, encontrado dentro de uma pasta de couro junto com outros documentos. Seus olhos percorreram rapidamente as páginas e se detiveram em um nome.

Scully.

Seus olhos se fecharam. Sua cabeça doía. Impaciente, levantou-se da cadeira e começou a caminhar pelo quarto. Lembranças invadiram sua mente. Imagens, sons, frases. Aquilo já acontecera antes.

As lembranças ficavam mais claras a cada vez.

Uma rápida conversa ao telefone.

O tilintar das chaves na fechadura.

Um clarão e um estampido.

Dor.

Escuridão.

A sua cabeça latejava.

Uma forte luz feria seus olhos.

Por um instante, achou que estava em um hospital.

Um homem de cabelos grisalhos apareceu. Ele pousou a mão sobre o seu rosto e parecia sorrir.

Havia outros, mas ela não pôde distingui-los.

O cheiro de nicotina impregnava o ar.

Falavam sobre o sucesso da experiência.

Foi quando percebeu a quem se referiam.

As coisas começaram a fazer sentido.

Ela agora se lembrava.

– Meg?

Uma voz familiar a trouxe de volta ao quarto. Megan Kennessy estava no chão, apoiada sobre seus joelhos, lágrimas desciam pelo seu rosto. Seu corpo tremia.

– Meg, você está bem? –- Ele correu em sua direção.

– Meu nome não é Meg, não é? – ela lhe perguntou, mas algo em seu tom de voz lhe dizia que ela já sabia a resposta.

Ele a encarou por um instante, um olhar de compreensão em seus olhos. Então ele acenou com a cabeça lentamente. – Se lembra agora?

– Eu era só uma cobaia pra eles – a raiva era evidente em sua voz.

– Então sabe o que fizeram com você.

Ela enxugou os olhos e se levantou, recompondo-se rapidamente – Tem um lugar pra onde eu preciso ir. Você vem comigo.

– Aonde vamos?

– Eu conto no caminho.

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Portland, Oregon

8:28 a.m.

Doggett passou a mão pelos cabelos enquanto caminhava de um lado para o outro na sala. Estava no meio de uma investigação quando fora chamado às pressas ao escritório local do FBI.

– O nome é Monica Reyes – disse ao entregar o pedaço de papel para um dos agentes de sua equipe – Quero que verifique junto a todos os hospitais da região.

“Isso não está acontecendo”, pensou consigo mesmo.

– Agente Doggett? – A voz do outro lado da linha interrompeu seus pensamentos.

– Estou ouvindo, Agente Van de Kamp.

– Alguma idéia do que ela poderia estar fazendo em Oregon?

– Eu nem sabia que ela tinha deixado Washington até receber esse telefonema.

– Fui chamado ontem de manhã e questionado sobre o desaparecimento de arquivos confidenciais. Nessa reunião também fui informado de que a Agente Reyes teria retirado estes arquivos sem autorização. Estávamos trabalhando neste caso há meses, com base nas informações contidas nos documentos. Tem algo muito estranho nesta história, Agente Doggett.

– Escuta aqui, garoto, se quer dizer alguma coisa, diga de uma vez – Doggett não encondia a irritação. O que diabos Monica pensou que estava fazendo?

– Formaram uma força-tarefa para levantar pistas sobre o paradeiro da Agente Reyes. Só que esta força-tarefa teria sido formada antes da reunião daquela manhã.

– Está insinuando que eles já sabiam de alguma coisa?

– Ainda é cedo para tirar conclusões. Estou a caminho do aeroporto.

– Estarei esperando – Doggett desligou o telefone.

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Acampamento dos Sentinelas da Liberdade

Florestas do Oregon

11:48 a.m.

– Ele ficará furioso quando souber que trouxemos uma agente federal pra cá.

– Eu cuido disso, Jody. Seu tio não tem com o que se preocupar – ela respondeu.

Jody Kennessy balançou a cabeça, percebendo que era inútil discutir. Aquela ruiva era teimosa e o seu olhar determinado não negava isso. Sorriu consigo mesmo ao sair da cabana.

– Gibson, preciso da sua ajuda – ela se voltou para o mais jovem, que acabara de chegar.

– O que foi? Jody me disse que vocês... – ele então voltou o olhar para a mulher deitada na cama, inconsciente. Ela tinha um dos pulsos algemado à grade da cabeceira. Havia um pequeno corte em sua testa e pequenas escoriações em seu rosto, mas o seu estado não parecia muito grave – Não acho que precisaremos disso – ele disse, apontando para as algemas – Ela não nos fará mal, Meg.

Ela o encarou com um olhar de interrogação.

– Eu a conheço – ele respondeu calmamente.

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Escritório Regional do FBI,

Portland, Oregon

1:52 p.m.

– A única pista que eu tenho é o registro do aluguel do carro no aeroporto e o pagamento feito no cartão de crédito em um posto de gasolina na rodovia 22. Mas isso não ajuda em muita coisa porque esta rodovia é uma via de acesso para diversas estradas secundárias. Ela poderia ter tomado qualquer direção – Doggett entregou o relatório ao jovem agente, que acabara de chegar.

– Já lhe ocorreu que ela poderia estar indo ao seu encontro? – William lhe perguntou enquanto observava o mapa do Estado do Oregon na parede da sala de conferências.

– Como assim?

– O caso para o qual você foi designado. Terrorismo doméstico. A base de operações da força-tarefa fica numa cidade mais ou menos próxima a esta rodovia, seguindo para o norte. Só há duas estradas secundárias para este lado. Se eu estiver correto, isso reduziria o escopo da busca pela metade.

– Faz sentido – Doggett respondeu, olhando para o mesmo ponto no mapa. “Mas o que seria tão importante a ponto de Monica resolver sair de Washington sem avisá-lo?”, pensou consigo mesmo – Já entramos em contato com praticamente todos os hospitais da região. Ninguém com a mesma descrição dela foi admitido nas últimas 48 horas, o que é um bom sinal – ele pegou o casaco e as chaves do carro – Avisarei os outros que temos por onde começar. Vamos.

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Acampamento dos Sentinelas da Liberdade

Florestas do Oregon

1:14 p.m.

– Você enlouqueceu de vez?! – vociferou Darin Kennessy, o líder do grupo, um homem de cabelos encaracolados e vermelhos, que aparentava uns 50 e poucos anos, alto e magro. Kennessy acabara de retornar ao acampamento e, como Jody previra, sua reação não fora das melhores – É uma questão de tempo até o FBI aparecer e virar este lugar do avesso atrás desta mulher! Ela é encrenca e você sabe isso. Droga, Meg! Será que não entende que já temos problemas suficientes?

– Queria que a deixasse morrer? É o que provavelmente aconteceria antes que alguém a encontrasse no meio daquela tempestade. Sabe muito bem que não passam muitos carros por aquela estrada.

Kennessy balançou a cabeça. – E você sabe muito bem que não queremos chamar a atenção, muito menos dos caras pra quem estes federais trabalham – ele caminhou até a janela e permaneceu em silêncio por alguns instantes, coçando a barba – Poderíamos deixá-la em um hospital da cidade mais próxima, mas isso levantaria ainda mais as suspeitas. Assim que encontrarem o carro, outros virão atrás dela, com certeza.

– O que pretende fazer, Darin?

– Quero saber o que diabos uma agente federal estava fazendo sozinha em uma estrada secundária no meio do nada. Eles sempre andam aos pares.

– Parece conhecer o procedimento deles.

Ele a encarou. – Já lidei com esta gente. Há alguns em quem se pode confiar, mas não sabemos se é este o caso. Portanto, fique de olho nela. Você arrumou o problema, agora resolva!

Kennessy se afastou. Sua raiva não duraria muito. Meg já o conhecia há bastante tempo e sabia que, apesar de explosivo, ele era justo e podia ser razoável quando quisesse. Ela se voltou para Jody. Lembrou-se do que ele lhe dissera, anos atrás, quando chegara ao acampamento. A história de dois agentes federais que salvaram sua vida quando ele era apenas um garoto. Jody já passara pela mesma situação que ela e, de certa forma, a ajudou a aceitar o que se tornara.

Ele não era como os outros, que a olhavam com desconfiança. Ou medo.

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Rota 1105 – Sentido Norte

Próximo à divisa do Estado do Oregon

3:27 p.m.

– Um motorista de caminhão alertou a polícia estadual quando viu o carro abandonado à beira da estrada.

Doggett mal ouvia as palavras de William, seu olhar fixo no que restara do automóvel. O impacto destruíra boa parte da dianteira do veículo, estilhaçando o pára-brisa e os vidros laterais. O airbag fora acionado, denunciando a violência do acidente. A imagem lhe trouxe más lembranças. Algo chamara-lhe a atenção ao olhar para o interior do carro. Pensou consigo mesmo se deveria dividir suas impressões com o colega. Não confiava nele o bastante. No entanto, o garoto parecia estar genuinamente preocupado com a parceira.

Olhou em volta. O local estava repleto de policiais. Alguns peritos tiravam fotos e coletavam material para análise. As marcas de pneu no asfalto ainda eram visíveis. Chovia muito, provavelmente da mesma forma que naquela noite, o que certamente eliminaria boa parte das evidências que pudessem ser úteis.

– Sei que já verificaram junto aos hospitais da região, mas ela poderia ter sido encaminhada a algum hospital menor, talvez inconsciente, o que impossibilitaria uma identificação imediata – William continuou, enquanto ambos caminhavam até ao carro alugado, estacionado do outro lado da estrada.

– Mesmo assim, a polícia teria que ter sido avisada. E não foi. Não há nada no interior do carro, documentos, pertences pessoais. Nem mesmo os tais arquivos desaparecidos. A porta foi arrancada e não parece trabalho de uma equipe de resgate. Você estava certo, Van de Kamp. Tem algo muito estranho nesta história – Doggett entrou no carro e deu a partida no motor.

– Aonde vamos? – Willliam perguntou ao fechar a porta.

– Um dos guardas me disse que há um posto de gasolina a alguns quilômetros daqui. Quero fazer algumas perguntas. Alguém deve ter visto alguma coisa.

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Ela abriu os olhos, mas a sua visão ainda estava turva. Sua cabeça doía. Provavelmente sofrera uma concussão. Desde que acordara não vira ninguém, exceto um homem de cabelos claros que lhe trouxera comida, mas não lhe dirigia a palavra. Pelo número de refeições e pela claridade que entrava por uma pequena fresta, deduziu que estava confinada ali há pelo menos dois dias.

Tentou se levantar, mas a dor a fez mudar de idéia. Não quebrara nenhum osso, mas a sensação que tinha era de que nada em seu corpo estava em seu devido lugar.

Através da mesma fresta por onde entrava a luz ela podia ver o movimento das pessoas lá fora, entretidas em seus afazeres diários. Havia mulheres e crianças. O que lhe chamara mais a atenção eram os vários homens armados que avistara caminhando pela propriedade, limitada por altas cercas de madeira e arame farpado.

As marcas das algemas em seus pulsos ainda eram visíveis mas, inexplicavelmente, haviam sido removidas. Por alguma razão, não a consideravam uma ameaça. No entanto, sabia que qualquer cuidado era pouco e que aquilo poderia mudar a qualquer momento. Seu olhar percorreu o cômodo enquanto se lembrava de um pesadelo recorrente, que a atormentara durante várias noites. John tentava, em vão, protegê-la da agressão covarde de algozes sem rosto. A visão de seu corpo ensangüentado e de seus gritos de dor eram lembranças assustadoramente reais.

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Escritório do FBI

Portland, Oregon

10:12 p.m.

– Agente Doggett? Ligação de Quantico para o Agente Van de Kamp na linha 3 – disse um dos agentes ao vê-lo chegar.

– Ele está em outra ligação, pode deixar que eu atendo – respondeu Doggett ao se dirigir à sua sala – John Doggett. Quem está falando?

– Agente Doggett, aqui é a Agente Jenkins, do Laboratório Forense.

– E então, conseguiram alguma coisa?

– Foram encontrados dois tipos de sangue no local. Um deles pertence à Agente Reyes. Durante a análise da outra amostra, foram encontradas semelhanças com uma das amostras armazenadas em nossos computadores. Resolvi cruzar os dados e obtive uma identificação positiva.

– Um dos nossos? – Doggett franziu a testa.

– Não exatamente, mas o teste de DNA apontou diversas semelhanças. Um parente consangüíneo, talvez.

– Poderia me enviar estes resultados?

– Vou disponibilizá-los para consulta, é só entrar no sistema para vê-los.

Doggett apoiou o telefone entre o ombro e o queixo e digitou a senha no computador. Em poucos segundos, o arquivo se abriu e um nome apareceu na tela.

– Você tem certeza? – ele perguntou, com o olhar fixo no monitor.

– Absoluta. Fizemos todas as análises possíveis. A margem de erro é muito pequena nestes casos.

– Obrigado, Agente Jenkins.

– Disponha – ela respondeu ao encerrar a ligação.

Ele desviou o olhar para a porta entreaberta. O parceiro de Monica ainda conversava ao telefone na sala de conferências. Um pensamento cruzou-lhe a mente, mas logo descartou a hipótese. "É impossível", disse para si mesmo enquanto olhava para o nome na tela do computador.

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10:36 p.m.

Já era noite quando a porta novamente se abriu. Uma mulher que aparentava pouco mais de 40 anos entrou e se aproximou, sentando-se em uma cadeira à sua frente. Reconheceu a sua pasta de couro, que ela trazia debaixo do braço. Seus cabelos vermelhos estavam puxados para trás, revelando um rosto de traços delicados que contrastavam com o olhar frio lançado em sua direção.

– Onde estou? – Monica murmurou.

– Está em um lugar seguro, é tudo que precisa saber.

– E quem é você?

– Boa pergunta. Acho que você pode me ajudar a encontrar algumas respostas... – ela disse enquanto olhava para a carteira de couro preta que tinha em mãos – ...Agente Reyes. O que faz tão longe de casa?

– Tudo que me lembro é que estava na estrada... Uma árvore caiu na minha frente...

– Nós a encontramos durante a tempestade e a trouxemos para cá – ela lhe disse depois de lhe devolver a carteira – Só quero que me diga uma coisa: como sabe o meu verdadeiro nome?

Monica Reyes encarou a mulher à sua frente, confusa.

– Até alguns dias atrás, meu nome era Meg. Pelo menos eu achava que era.

– Aonde que chegar?

– Você me chamou de Scully quando a encontrei. E eu vi este nome diversas vezes nos arquivos que estavam naquela pasta. Só que logo percebi não era a mim que eles se referiam, mas à minha irmã.

– Não – ela retrucou depois de uma longa pausa – Isso... é impossível.

– “Estou morta”, você quer dizer. Se quiser colocar assim, esteja à vontade... – ela respondeu enquanto a outra mulher estudava suas feições com uma expressão de espanto – ...mas isso não responde a minha pergunta.

Uma batida à porta interrompeu a conversa. Um jovem homem de cabelos castanhos e barba por fazer entrou no quarto. Usava os mesmos óculos de armação arredondada e ainda guardava em seus traços um ar infantil. Monica o reconheceu imediatamente: – Gibson – ela murmurou, atônita.

– Ela está falando a verdade, Agente Reyes, e você deveria ouvir o que ela tem a dizer.

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CONTINUA