De tempos em tempos, a
humanidade experimenta grandes saltos de desenvolvimento tecnológico. Eventos,
tais como a descoberta do fogo, as invenções da roda e da máquina a vapor e a
criação dos transistores, proporcionaram ao homem, durante toda sua jornada
sobre a terra, gigantescos avanços na qualidade de vida, simplificando o modo
como ele interage com o mundo à sua volta. Outros, como a descoberta da
penicilina e o estabelecimento dos princípios básicos de higiene,
propiciaram-lhe uma vida mais longa e saudável.
Por trás de todos esses inventos e descobertas, no entanto, escondem-se a ciência
e uma legião de homens e mulheres abnegados que trabalham em seu nome e seu
aperfeiçoamento.
Em meados do ano de 2013, o mundo havia presenciado mais um desses fabulosos
saltos da ciência. A nanociência, apresentadas ao mundo por Richard Feymann em
1959, mas apenas estudada seriamente a partir de 1992, havia, finalmente, se
tornado uma realidade comercializável a baixos custos. As implicações dessa
nova realidade rapidamente se espalharam por todos os campos do conhecimento
humano.
Não sem enfrentar, é claro, muitos percalços até chegar lá. Em 2000, quando
na gestão de Bill Clinton, a nanociência passou a ser encarada como assunto de
estado e suportada e incentivada pelo governo americano como tal, previa-se que,
em cerca de dez anos, a indústria já teria atingido capacitação para aplicação
da nanotecnologia em larga escala.
Mas não foi assim. Estranhos acidentes envolvendo cientistas proeminentes, incêndios
em laboratórios e institutos de pesquisa e até mesmo um terremoto numa área
onde nunca antes se registrara qualquer incidente sísmico foram apenas alguns
dos problemas pelos quais o desenvolvimento passou. Em 2010, a nanotecnologia,
conforme prometida no governo Clinton, parecia muito longe de se tornar uma
realidade.
Subitamente, porém, a onda de má sorte da ciência pareceu ter acabado e o ano
de 2013 presenciou mais e maiores avanços que jamais se poderia esperar. E as
promessas de benesses da nova ciência foram, finalmente, trazidas a público.
Já em 2014, a nanotecnologia estava por toda parte. Desde superprocessadores do
tamanho da cabeça de um alfinete a naves espaciais mais leves e com maior
autonomia de vôo, passando por medicamentos mais eficazes e com menores efeitos
colaterais e pela regeneração de tecidos do organismo controlada por minúsculas
estruturas, em tudo era possível se perceber a influência dessa revolucionária
ciência.
É claro que de uma tecnologia tão versátil e poderosa não resultaram apenas
aplicações nobres e pacíficas. A indústria bélica também dela se
beneficiara, criando ainda mais destrutivas armas nanotecnológicas. Eram legiões
de nanorobôs alguns assassinos carregando biotoxinas manipuladas em nanoescala
para atingir somente determinados indivíduos, outros eficientes espiões
similares a moscas e equipados com diminutas câmeras e rádio-transmissores
para bisbilhotar tudo a qualquer hora e em qualquer lugar. A única diferença
era que não havia um inimigo real ou potencial contra quem utilizá-las.
O mundo vivia um período excepcionalmente tranqüilo, naqueles dias. Pequenas
melhorias no padrão de vida geral da população haviam resultado numa época
de relativa prosperidade mundial, quando havia menos pobreza, menos injustiça
e, consequentemente, menos insatisfação.
Um mundo quase perfeito.
Mas, até que ponto?
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O exército avançava vagarosamente em direção ao seu alvo. Um pequeno grupo
de batedores o precedia, à procura do melhor caminho a seguir. O deslocamento
da tropa era lento e penoso por entre a estranha vegetação, chafurdando no
solo irregular e pantanoso onde ela vicejava.
Vez por outra, um soldado sucumbia, vítima dos inimigos invisíveis que se
ocultavam na relva alta. Ainda assim, a tropa prosseguia incansável em direção
ao seu destino.
Finalmente, do alto de uma ondulação suave, os soldados avistaram seu alvo. No
fundo do vale lá embaixo, erguia-se ele, imponente como uma fortaleza, cercado
por grossas muralhas avermelhadas.
O ataque foi rápido e devastador. A horda de nanocriaturas carregadas de
medicamento abateu-se ligeira sobre as células cancerosas, deitando por terra
as paredes vermelhas que envolviam o tumor e despejando, com máxima precisão,
as doses maciças de remédio na área doente em seu interior.
Após o ataque, cada uma das milhares de nanocriaturas sucumbiria e se
transformaria em um corpo inerte que seria, posteriormente, eliminado do
organismo pela urina. Em mais alguns dias, tudo o que restaria da grande batalha
seria uma discreta cicatriz rosada na parede do intestino onde, outrora, se
erguera ameaçador o maligno tumor.
Adam Van de Kamp estava salvo.
ESCRITÓRIO REGINAL DO FBI
PORTLAND, OREGON
11:21 AM
- Eu sei, mãe... Mas agora ele vai ficar bem, eu garanto!
Pelo telefone, William tentava confortar a mãe, que soluçava do outro lado da
linha. Queria poder estreitá-la nos braços e consolá-la naquele momento difícil.
Mas a pressão do trabalho e as buscas por Monica Reyes faziam com que fosse
impossível sua ida a Wyoming. Além do que, embora estivesse, naturalmente,
preocupado com o estado do pai, dada a gravidade de seu tumor, William confiava
por completo nos modernos tratamentos contra o câncer.
A mãe ainda tinha a voz chorosa ao telefone, quando o agente Doggett acenou-lhe
da porta, o instando a partir.
- Eu também gostaria de estar aí, mãe. Mas agora preciso desligar... Dê um
grande abraço no papai... Eu também te amo, mãe. - disse o rapaz, desligando
o telefone.
- Problemas? - perguntou Doggett, quando William se aproximou. O rosto do jovem
denotava alguma apreensão.
- Descobriram um tumor em meu pai...
Doggett assentiu com gravidade.
- Mas já está tudo bem. - prosseguiu William. - Ele recebeu uma aplicação de
uma dessas novas drogas nanotecnológicas e o tumor foi destruído.
O outro homem estremeceu imperceptivelmente. Por tudo o que conhecera e
vivenciara através dos Arquivos X, a nanotecnologia não soava bem aos seus
ouvidos. Talvez Doggett tivesse acabado por incorporar um pouco da paranóia de
Fox Mulder a respeito daquilo tudo, mas a sensação desagradável que a palavra
lhe produzia era inevitável.
A idéia de diminutas criaturas com vida e vontade própria percorrendo
livremente o interior de seu corpo não agradava Doggett em nada. Pior ainda era
imaginar que as ações dessas coisas poderiam ser guiadas por outrém com
sabe-se lá que intenções maldosas.
Que fosse paranóia, mas ele preferia imaginar-se a salvo daqueles monstrinhos
teleguiados!
CERCANIAS DE WASHINGTON, D.C.
06:43 PM
Wayne sentia-se ridículo naquele papel. Como um adolescente que espera a ligação
de uma bela garota aceitando seu convite para o baile de formatura, ele
plantara-se ao lado do telefone, praticamente, durante todo o dia. Atendera a um
ou outro engano, com o coração na boca a cada toque da campainha. E agora começava
a desanimar.
Dog, deitado do outro lado da sala, o observava curioso. Wayne suspirava e
batucava com os dedos na mesinha e se remexia no sofá, mas não deixava, nem
por um só instante, o telefone silencioso.
Finalmente, era noite e a única iluminação da sala era o brilho azulado da
televisão que passara o dia inteiro a tagarelar sozinha.
- É, companheiro. Parece que não foi desta vez. - suspirou Wayne, atravessando
o cômodo para acender a luz. - Também, eu não esperava que fosse diferente,
mesmo. Só um louco chamaria alguém como eu para trabalhar.
Sentou-se na velha poltrona, olhando, desanimado, as imagens sem sentido que
desfilavam pela tela da TV. Dog, sempre solidário, sentou-se aos seus pés,
repousando a grande cabeça negra sobre o colo do homem.
Wayne Garcia repreendia-se intimamente por ter se deixado levar uma vez mais
pela esperança, pela ilusão de conseguir de uma vez por todas livrar-se da
dependência do seguro social.
Quando o homem de voz macia telefonara, no dia anterior, oferecendo-lhe um
trabalho, essa possibilidade acenara diante de Wayne como algo promissor. O
homem oferecera-lhe um bom dinheiro e assegurara se tratar de um serviço fácil,
prometendo entrar em contato no dia seguinte para marcar uma entrevista. Mas
Wayne deveria ter desconfiado que, no final, nada resultaria daquele telefonema,
quando o outro começara a fazer-lhe uma série de perguntas sobre sua vida.
O dia seguinte, aquele mesmo dia, já havia transcorrido quase todo para um
Wayne cheio de expectativa sem que o homem de voz macia telefonasse outra vez.
- Bem feito para mim! Quem me mandou alimentar essas esperanças tolas?
O cão latiu uma fração de segundo antes do telefone tocar, arrancando o homem
da cadeira em um pulo.
- Alô? - ele atendeu com um grito involuntário.
A voz macia do homem, no outro lado da linha, fez seu coração bater tão alto
que Wayne teve medo que o outro o estivesse ouvindo também.
- Sim... Hoje? A que horas? ... Sei... 967? Ok! Estarei lá!
Por mais que tentasse controlar as emoções, por mais se esforçasse para
lembrar a si mesmo de todas as vezes anteriores em que coisas que pareciam
fadadas a dar certo haviam dado errado, Wayne não conseguia evitar de sentir-se
esperançoso. E junto, com a esperança, o invadia uma agradável sensação de
euforia como há muito não recordava sentir.
No fundo, ele tinha certeza de que o encontro daquela noite mudaria sua vida.
WASHINGTON, D.C.
07:05 PM
Ele tinha os olhos fitos na pasta que jazia aberta sobre a mesa. A foto, no alto
da primeira página, parecia observá-lo de volta, com olhar penetrante.
Eram tantas as lembranças que aquele olhar invocava que Walter Skinner hesitava
diante do que precisava fazer. Os dedos tamborilavam nervosos no tampo maciço
da grande escrivaninha, sem que ele tentasse controlá-los.
Em nome da memória de Mulder e Scully, Skinner vacilava em tomar qualquer
atitude agressiva contra William Van de Kamp. Afinal, seus pais biológicos, que
o rapaz desconhecia, haviam sido, mais que subordinados de Skinner, seus amigos.
Em nome de sua própria memória, porém, ele tentava se forçar a eliminá-lo.
Skinner sabia que não seria prudente lutar contra aqueles a quem servia. As
lembranças da última vez que o tentara ainda estavam dolorosamente presentes
em sua vida.
QUARTEL-GENERAL DO FBI
WASHINGTON, D.C.
ABRIL, 2005
Seria apenas mais uma corriqueira manhã de terça feira no Bureau, não fosse
pela tarefa que Skinner tinha diante de si.
Como Diretor Assistente, não fora difícil levar a cabo a primeira parte da
missão que seus captores haviam lhe designado. A próprias circunstâncias, o
fechamento dos Arquivos X, a convolução causada no FBI pelo vazamento das notícias
sobre o julgamento de Fox Mulder e sua posterior fuga, habilmente atribuída a
Dana Scully, haviam tornado fácil a tarefa de fazer com que John Doggett e
Monica Reyes não mais trabalhassem juntos.
Skinner sabia, porém, que, embora separados no Bureau, ambos estavam mais próximos
do que nunca e que persistiam numa cruzada particular para localizar os dois
agentes desaparecidos. Doggett e Reyes confiavam em Skinner sem restrições e
recorriam a ele, vez por outra, em busca de informação.
Até bem pouco tempo, o Diretor Assistente conseguira mantê-los ocupados,
fornecendo-lhes pistas falsas que os conduziam cada vez mais longe da verdade.
Mas, agora, os agentes haviam se deparado com informações que os levariam
diretamente aos poderosos por trás de toda a conspiração que tentara
aniquilar Mulder. E, ameaçadores, esses homens haviam exigido a Skinner que
fizesse cessar as incômodas investigações.
O Diretor Assistente, no entanto, não se sentia capaz de levar a cabo o que lhe
fora pedido. Admirava a integridade de John Doggett e a fidelidade de Monica
Reyes com relação às suas crenças. Admirava-lhes a perseverança e a
capacidade de insistir naquela procura infrutífera, indo contra tudo e contra
todos. A idéia de eliminá-los lhe soava tão insana quanto a de atentar contra
a própria vida.
Estremeceu quando soou a campainha do interfone, interrompendo seus pensamentos.
- O agente Doggett está aqui, senhor. - dizia a secretária.
Skinner quis dizer que estava ocupado, que não podia atendê-lo no momento.
Quis dizer que estava saindo de férias para o Afeganistão e que voltava já.
Ou outra desculpa maluca qualquer. Qualquer coisa que o impedisse de fazer o que
lhe fora pedido.
Talvez devesse contar toda a verdade a Doggett. De alguma forma, talvez aquilo
fizesse com que o agente recuperasse a memória sobre o que lhes havia
acontecido anos antes, quando foram seqüestrados por aqueles homens.
- Mande-o entrar. - respondeu, tentando controlar o tremor na voz.
Estava decidido. Contaria tudo a Doggett, custasse o que custasse, mesmo que,
com isso, perdesse a confiança do amigo. Somente assim, Skinner se libertaria
de uma vez por todas do peso daquele nefasto segredo.
Mal o pensamento tomara forma em sua mente, a campainha de seu celular soou
alto, o assustando uma vez mais. Hesitou por um segundo, mas acabou por atender
a chamada.
- Skinner! - disse com voz incerta.
- Melhor reconsiderar, Walter. - disse o homem do outro lado da linha.
O tom sarcástico daquela voz lhe provocou calafrios, que ele tratou de disfarçar
rapidamente, ao perceber que Doggett entrava na sala.
O agente fez menção de sair, mas Skinner, num gesto vago, o instou a ficar e
sentar-se.
- Sobre qual assunto? - ele indagou ao interlocutor no telefone, esforçando-se
ao máximo para manter o controle.
- Você sabe. - foi a resposta. - Sobre verdades e revelações. Nem tente
continuar com a idéia idiota que lhe passou pela cabeça, meu caro.
O nó da gravata pareceu subitamente apertado demais a Skinner que deslizou um
dedo por entre o colarinho e o pescoço, num gesto ansioso.
- Não serei capaz de cumprir os termos de nosso acordo. - falou após um
momento de hesitação.
- Não se subestime, Walter. É claro que você pode.
- De forma alguma conseguirei eliminar as duas cláusulas de exceção a que você
se refere. - o suor começava a brotar-lhe da face em minúsculas gotas.
Uma gargalhada ecoou do outro lado da linha.
- Tenho certeza de que você pode, Walter. Basta pegar a arma que você tem
guardada sob a mesa e puxar o gatilho. A essa distância, não há como errar.
- Não! - a voz de Skinner tremia.
Doggett começava a se remexer incomodado na cadeira. Fosse qual fosse o rumo
que a conversa telefônica do Diretor Assistente estivesse tomando, o agente
sentia que não estava ali no momento certo.
- Você não está entendendo, Walter. É tão simples como estender sua mão
direita, pegar a arma e apontá-la para a cabeça de Doggett. - insistiu o
homem.
Atônito, Skinner acompanhou com os olhos os movimentos de sua mão, em direção
à pistola, agindo a despeito de sua vontade, como se tivesse vida própria.
Assustado, constatou que uma estranha paralisia, um tipo de formigamento que
mantinha sua outra mão pressionando o celular de encontro ao ouvido e o
restante de seu corpo pregado à cadeira como se dela fizesse parte.
- Muito bem, Walter! - disse o homem, quando a mira encontrou seu alvo. - Agora
puxe o gatilho.
- Não! - repetiu alto o Diretor Assistente.
Quando John Doggett se deu conta da arma que Skinner lhe apontava, ainda olhou
para trás, surpreso, à procura do alvo do cano negro. Não lhe passaria jamais
pela idéia que pudesse ser ele próprio. Mas não havia qualquer outra pessoa
na sala.
Num gesto rápido, Doggett voltou-se para Skinner e o desarmou, ainda
estupefato.
- Já que você se revelou incapaz de cumprir uma ordem simples, Walter, o próprio
agente Doggett terá de executar a tarefa por você. - prosseguiu a voz,
antecipando os acontecimentos.
Sem nada compreender, Doggett viu a mão que empunhava a pistola, sua própria mão,
apontá-la contra sua cabeça. Apenas a mão direita e os olhos do agente eram
capazes de mover-se. E apenas os olhos, segundo sua própria vontade. E eles
acompanhavam frenéticos e incrédulos os movimentos descontrolados da mão.
O Diretor Assistente, ainda envolvido pelo estranho torpor que o dominava, a
tudo assistia em total desespero.
- Agora, basta apertar o gatilho, agente Doggett. - falou tranqüilamente o
homem ao telefone.
Como em câmera lenta, Skinner viu o dedo de Doggett pressionar lentamente o
gatilho. Viu a expressão ensandecida que lhe desfigurava o rosto. Em câmera
lenta, ele ouviu a gargalhada sonora de seu interlocutor no telefone e moveu os
lábios numa súplica muda. "Não, não faça isso, John" foram as
palavras que morreram-lhe na garganta.
Aquilo não podia estar acontecendo.
Mas estava.
E ali, diante de seus olhos, Skinner via um homem bom e íntegro prestes a
cometer suicídio por influência de seus carrascos. Ele apenas não podia
entender como. Serviria tudo aquilo tão somente para provar o controle que
aqueles homens malditos podiam exercer sobre as pessoas?
Os sentidos de Walter Skinner nunca haviam estado tão aguçados quanto naquele
momento. Ele via as partículas de poeira dançando lentamente sob o raio de sol
que penetrava pela persiana. Sentia o perfume adocicado da maçã que sua secretária
comia na ante-sala. Aos seus ouvidos, a gargalhada do homem no telefone se
misturava sinistramente ao deslizar do gatilho que Doggett pressionava. Ele
nunca antes percebera quanto barulho um gesto como aquele produzia.
Quanto faltaria para que o gatilho finalmente atingisse o ponto de disparo? Um
milímetro, uma fração disso? Talvez menos do que faltava para o coração do
Diretor Assistente parar de bater.
A gargalhada do homem cessou ao mesmo tempo em que uma gota do suor de Skinner
batia contra a escrivaninha, soando como uma explosão.
- É o bastante, agente Doggett. - disse o homem ao telefone.
Imediatamente, Doggett caiu sem sentidos sobre a cadeira, o círculo vermelho do
cano da arma marcado como uma tatuagem em sua têmpora.
- Você o matou... - tartamudeou Skinner.
- Acalme-se, Walter. Ele está tão vivo quanto você. Apenas desmaiou e, quando
recuperar os sentidos, obviamente não se recordará de nada do que aconteceu aí.
Não havia alívio, mas ira, na voz do Diretor Assistente quando ele falou outra
vez.
- O que você pretende com isso? Que eu o mate? Que assassine a sangue frio a
agente Reyes? Você sabe que eu não o farei.
O outro homem riu outra vez.
- Você não entendeu nada, meu caro Walter. Não queremos mais mortos. Já há
mártires o suficiente nessa estória toda. E, como você acabou de presenciar,
podemos fazê-los cometer suicídio ou sofrer um "terrível acidente"
no instante em que quisermos.
- O que você pretendia então? Demonstrar seu poder? Mostrar como você é
capaz de controlar as vontades e as mentes das pessoas?
- Não, Walter. - continuou o outro, pacientemente. - Queremos fazer com que você
entenda que não há como escapar. Queremos sua total e incondicional lealdade
à nossa causa. É pedir demais? Eu acho que não, se você pretende manter seus
amigos vivos.
- E quanto à informação que eles têm? A que poderia levá-los diretamente a
você e seu grupo?
- Eles não mais a têm. E tampouco encontrarão qualquer pista relevante daqui
por diante.
- Mas eles nunca vão desistir... Unidos, eles se completam em persistência e
força de vontade.
- Unidos, você mesmo disse. Mas se estiverem separados...
O bip característico de alerta, informando que a conexão fora perdida, deixou
em suspenso o final da frase. Quase que no mesmo instante, o torpor deixou o
corpo do Diretor Assistente e ele pode mover-se outra vez.
Pelo intercomunicador, pediu à secretária um copo d'água e um médico para
Doggett, ainda inconsciente na cadeira.
O médico nada encontrou de errado com o agente, a não ser o estranho círculo
avermelhado em sua têmpora. Doggett de nada se recordava a partir do momento em
que pusera a mão na maçaneta da porta.
Walter Skinner aposentou-se do FBI, no início de 2006. No princípio, havia
deixado Washington e vivia recluso em uma ilha qualquer da Flórida. Em 2012, no
entanto, voltou à capital e instalou-se num confortável edifício antigo bem
no centro da cidade.
Com o passar do tempo, John Doggett e Monica Reyes foram se afastando
gradualmente um do outro sem que houvesse nenhuma razão especial para isso.
Simplesmente, foram se tornando cada vez mais calados e introspectivos, até que
seu relacionamento, por fim, sucumbiu. Não que o amor que sentiam um pelo outro
houvesse acabado. Pelo contrário, este resistia em seus corações, mas era
abafado por uma força invisível e inexplicável que os fazia crer que
afastados estariam melhor.
E assim, permaneceram, mergulhados em suas tristezas, confinados a seus infernos
particulares, até uma noite de dezembro de 2012, quando, enfim, se
reencontraram.
WASHINGTON, D.C.
9:24 PM
Wayne caminhava apressado pela calçada apinhada de gente. Muito tempo se
passara desde a última vez que ele estivera no centro da cidade e ficou
espantado com a quantidade de pessoas que ainda circulavam pelas ruas àquela
hora da noite. Devia ser a proximidade das festas.
Fazia frio. O vento cortante anunciava que o inverno chegaria em breve.
Quando, finalmente, Wayne encontrou o endereço que procurava, ficou
agradavelmente surpreso com a beleza do edifício a que ele se referia. Não era
um daqueles arranha-céus modernos, monstros de aço e vidro, mas uma belo prédio
antigo com sua imponente fachada em pedra. Wayne gostava de construções assim,
feitas para durar.
O ar tépido do hall vazio foi um alívio para seus dedos enregelados. Na
parede, ao fundo, revestida de um elegante mármore negro, destacavam-se duas
portas cerradas de elevador. Mas não havia nenhum mecanismo à vista para
abri-las.
- Posso ajudá-lo, senhor?
Wayne voltou-se para o lado, sobressaltado, mas nada havia ali além de uma
grande caixa de vidro e metal num canto da portaria. A suave voz feminina
parecia ter vindo exatamente dali! Lentamente, ele caminhou naquela direção.
- Posso ajudá-lo, senhor? - repetiu a voz, quando Wayne chegou mais perto da
caixa.
Definitivamente, a voz provinha dali.
- Eu... eu tenho uma entrevista... - ele respondeu, embaraçado por estar
falando com uma máquina.
Uma tela brilhante de cristal acendeu-se numa das faces da caixa. De um orifício,
na parte superior, surgiu um feixe de luz esverdeada, bem na altura dos olhos de
Wayne.
- Por gentileza, o senhor poderia olhar fixamente para a luz verde por uns
instantes?
Wayne obedeceu, ainda ressabiado. Não gostava de máquinas. Não se habituava a
elas. Estivesse aquela bela voz feminina num corpo real, de carne e osso, e ele
não hesitaria em reconsiderar sua vida reclusa e convidá-la para jantar...
- Sr. Garcia, é esperado na suíte 1013. O elevador à sua direita o levará até
o andar. A suíte fica na última porta do corredor à esquerda do elevador.
Obrigada!
As explicações da máquina eram acompanhadas pela exibição de diagramas
detalhados na tela, indicando o caminho a ser seguido. Wayne percebeu que o
elevador o esperava com as portas abertas. Dentro da cabine, além das paredes
nuas, apenas um visor digital, mostrando os andares, à medida em que passavam.
Nada de painéis ou botões, nada.
Wayne detestava essa nova tecnologia, a que parecia exercer controle sobre o
mundo e as vidas das pessoas. A mesma tecnologia que permitira à máquina
saber, exatamente, quem era ele e para onde iria. Scanner de retina, era o nome
do equipamento. Tudo conectado aos bancos de dados do governo. Aquelas coisas
permitiam reconhecer um indivíduo em questão de segundos. Onde quer que se
fosse, havia um daqueles. Sempre vigiando seus passos, monitorando seus atos.
Uma espécie de moderno Grande Irmão. Wayne lera o livro de Orwell no ginásio
e recordava-se claramente da impressão angustiante e claustrofóbica que 1984
havia lhe causado.
O elevador abriu as portas. O display indicava o décimo andar.
Wayne saltou e dirigiu-se a passos largos pelo corredor. Estacou diante da porta
de madeira encimada por um discreto 1013 em metal dourado. Outra vez, não havia
campainha ou maçaneta. Ele ergueu o punho fechado para bater, mas antes disso a
porta se abriu como que por encanto. Aquela situação estava começando a
dar-lhe nos nervos. Ele precisava controlar-se. Respirou fundo e entrou, de modo
deliberadamente lento e estudado. Queria causar boa impressão.
O interior sóbrio da sala, os pesados móveis de madeira as poltronas de couro,
contrastavam com o aparato high tech do prédio. Por trás de uma grande
escrivaninha, sentava-se um homem calvo, os óculos redondos dando a impressão
de idade indefinível. Numa poltrona de couro, num canto da sala, havia outro
homem, alto, os cabelos escuros salpicados de fios grisalhos. Nenhum dos dois
esboçou o mínimo gesto para cumprimentá-lo.
- Boa noite! - ele começou. - Sou Wayne Garcia...
- Sabemos tudo o que há para saber sobre você, sr. Garcia. - interrompeu o
homem da poltrona, em quem Wayne reconheceu a voz do telefonema.
Wayne assentiu com a cabeça, meio embaraçado pela rudeza do outro. Permanecia
de pé como um tolo, parado no meio da imensa sala, sob o olhar avaliador dos
outros dois. O homem por trás da escrivaninha, percebendo-lhe o
constrangimento, indicou uma cadeira.
- Sente-se, por favor.
- Estou bem de pé, obrigado. - recusou Wayne. Sentar-se não mudaria em nada
sua situação.
O homem da voz macia ergueu um dos cantos da boca, num meio sorriso sarcástico.
- Eu gostaria de saber sobre o serviço...
- É simples. - disse o homem da poltrona com frieza. - Eliminar um homem.
Wayne não gostou das palavras. Gostou menos ainda do tom em que foram ditas.
- Acho que vocês não compreenderam... Eu não sou assassino... - gaguejou,
recuando em direção à porta.
- Não se trata de assassinato, sr. Garcia. - interrompeu o homem calvo, esforçando-se
para soar natural. - Seria mais o caso de deixar o homem fora de ação.
Wayne notou o olhar de desagrado lançado pelo homem de voz macia em direção
ao outro.
- E quem seria esse homem? Onde posso encontrá-lo?
- Van de Kamp é seu nome. Hoje, está no Oregon. Mas, no devido tempo, ele será
trazido até você por uma pessoa de nossa confiança.
- Aceita o serviço, Garcia? - indagou autoritário o homem da poltrona.
Wayne hesitou por um momento antes de responder. Não gostava da idéia de
deixar outra pessoa "fora de ação". Não era esse o serviço que
sonhara. Ao mesmo tempo, já havia tomado a decisão, antes mesmo da pergunta
ser verbalizada. A sensação de que aquilo tudo mudaria definitivamente sua
vida o invadia agora com mais intensidade.
- Aceito!
Walter Skinner engoliu em seco. Estava feito.
Alex Krycek lançou-lhe um olhar de soslaio e sorriu satisfeito. Finalmente,
estava prestes a eliminar o legado de Fox Mulder.
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