Perfect Trap

Edifício J. Edgar Hoover, Sede do FBI
Washington, Capital
8:14 p.m.

A sala de conferências estava repleta de agentes de vários escalões, todos com a atenção voltada para o telão onde eram exibidas imagens de câmeras de vigilância. Nelas podia-se ver um policial de uniforme com a arma em punho, aproximando-se de três pessoas, aparentemente dando-lhes a voz de prisão. Subitamente, uma delas, a mulher de cabelos vermelhos, sacou uma pistola semi-automática e disparou três tiros contra o peito do policial. A transmissão foi cortada.

– Um policial foi baleado ontem por volta das 11 horas da noite na garagem de uma instalação federal na zona sul da cidade. As câmeras do sistema de segurança captaram a imagem de três pessoas no local, duas mulheres e um homem – disse um dos líderes da recém-formada força-tarefa ao dar início à reunião, convocada às pressas pelo Diretor Adjunto – A vítima acabou morrendo no hospital em decorrência dos ferimentos – o agente continuou enquanto cópias dos dossiês eram distribuídas aos presentes – Montamos bloqueios em todas as estradas que saem de Washington e estamos organizando buscas por todo o perímetro urbano com a ajuda da polícia local. Uma das mulheres foi identificada positivamente como a Agente Monica Reyes, desaparecida há cerca de um mês no Estado do Oregon. A identidade dos outros dois ainda não foi confirmada, mas estamos trabalhando nisso.

John Doggett mal podia acreditar naquilo. A investigação sobre o desaparecimento de Monica Reyes se transformara, de uma hora para outra, numa caçada humana. As imagens da câmera, no entanto, eram claras: era Monica quem estava ali, presenciando a morte do policial, sem interferir. Mas aquilo não fazia sentido. Ao seu lado, William Van de Kamp parecia tão surpreso quanto ele.

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Duas semanas antes


Monica Reyes aos poucos se integrara à rotina do local. Executava as tarefas diárias junto com os demais e procurava se portar da forma mais discreta possível. Para sua própria segurança, a sua identidade de agente federal não fora revelada, mas ainda assim muitos a encaravam com desconfiança. Afinal, ela era uma estranha. Alguém de fora. Por esta razão evitava caminhar sozinha pelo acampamento e retornava rapidamente ao alojamento quando anoitecia para não alimentar suspeitas. As semanas se passavam e ela não podia deixar de pensar em John. Ele com certeza a estaria procurando e não descansaria enquanto não a encontrasse. Sorriu consigo mesma ao perceber a ironia da situação: preocupara-se tanto em não deixar rastros que agora ninguém a encontraria.

Gibson transmitia-lhe um pouco de tranqüilidade. Era um rosto conhecido no meio daquela gente hostil à sua presença. Conversaram poucas vezes, e em uma das conversas ele contou a ela como fugira de Washington e porque resolvera se esconder depois do desaparecimento de Mulder e Scully. Não acreditava que o governo pudesse protegê-lo ao mantê-lo sob custódia. Percorrera diversos Estados até chegar ao Oregon, onde se juntara àquele grupo. E foi no acampamento que ele conheceu Megan Kennessy.

Megan, a mulher que se apresentou a ela como Melissa Scully, era uma incógnita. Ela não lhe dirigira a palavra desde aquela noite, quando lhe contara como sobrevivera ao atentado malsucedido contra a vida de Dana Scully em 1995. Uma história que a princípio lhe parecera absurda, mas que, de forma surpreendente, começava a fazer sentido à medida em que ela lhe revelava os detalhes. Monica estudava os arquivos sobre a mesa, enquanto se lembrava do que aquela mulher lhe dissera horas antes.

Melissa Scully fora declarada morta na mesa de cirurgia, ou pelo menos era o que queriam que seus familiares acreditassem. Trouxeram-na de volta utilizando uma tecnologia que ainda engatinhava naquela época. Para alguns o conceito era pura ficção-científica enquanto que, para outros, representava um grande avanço para a humanidade. Ela lhe dissera que o único rosto de que se lembrava era de um homem de uns 60 e poucos anos, que tinha um sotaque britânico. Este homem revelaria a ela mais tarde que estava apenas corrigindo um erro, por isso permitira que os “nanorobôs” fossem implantados em seu corpo, logo após a sua ”morte”. Mesmo sendo rudimentar em seu início, esta tecnologia acabou salvando-lhe a vida. Logo em seguida, eles a levaram para uma instalação e a submeteram a vários testes. Ela não tinha lembrança alguma de quem ela era ou do que acontecera antes da noite em que fora baleada. Os danos causados pelo ferimento à bala foram bastante severos e não esperavam que ela resistisse ao experimento. Só que ela sobreviveu e eles não sabiam o que fazer com ela. Provavelmente a matariam se não fosse por aquele homem. Ele a tirou de lá, sem o conhecimento dos demais. Ela, então, vagou sem rumo por várias cidades, até o dia em que conheceu Darin Kennessy.

Monica então lhe contou como conheceu Dana Scully, sobre a busca por Mulder, o nascimento de William e a decisão de entregá-lo aos cuidados de estranhos. Melissa ouvira a história em silêncio, não deixando transparecer emoção alguma, exceto quando Monica lhe contara que Margaret Scully falecera poucos anos após o desaparecimento de Dana, sem saber se a filha estava viva ou morta.

“Dana não pode estar morta”, foi tudo o que a outra mulher lhe disse. Perguntou-lhe como podia ter tanta certeza e ela simplesmente respondeu que sabia. Embora não soubesse por quê, acreditava nela. Ou talvez quisesse acreditar. Há muito tempo deixara de dar ouvidos à sua intuição. Não seria esta a hora de voltar a seguir seus instintos?

Impaciente, fechou a pasta e levantou-se, caminhando pelo pequeno cômodo. Precisava de respostas, mas não estava em condições de obtê-las presa naquele lugar.


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Rota 1105 – Sentido Norte
Próximo à divisa estadual
5:48 p.m.

O sino preso à porta anunciou a entrada dos dois agentes no pequeno estabelecimento. O funcionário ergueu os olhos da revista que estava lendo e tirou o fone de ouvido ao vê-los se aproximar do balcão.

William voltou sua atenção para dois homens que estavam na loja. Caminhou por entre as prateleiras enquanto os observava discretamente. Ambos eram jovens e usavam roupas típicas dos caçadores que freqüentavam a região: parcas, botas e bonés. Aquela pequena loja junto ao posto de gasolina era o local perfeito para quem quisesse se abastecer de suprimentos antes de seguir para as montanhas. Notou que estavam levando uma pequena quantidade de enlatados, pilhas, garrafas de água e várias caixas de munição. Nada de anormal, se não fosse o comportamento deles. Estavam visivelmente tensos. William resolveu abordá-los e fazer algumas perguntas. Depois de algumas respostas evasivas, os dois se dirigiram ao balcão, pagaram as compras e foram embora rapidamente.

– O garoto me disse que aqueles dois costumam aparecer uma vez por mês. Sempre pagam tudo em dinheiro – disse Doggett ao saírem da loja.

William acenou com a cabeça – Mostrei a foto e fiz algumas perguntas, mas nenhum deles deu sinais de que sabia de alguma coisa. Só pareciam um pouco nervosos demais.

– É bom avisarmos o escritório de Portland, por via das dúvidas. Há vários grupos conhecidos com atuação nesta região.

– Acredita que a Agente Reyes...

– Não ficaria surpreso, Van de Kamp, só que não gostaria de pensar nesta possibilidade. Agentes federais não são necessariamente populares por estes lados.


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Rumores começaram a correr pelo acampamento naqueles últimos dias, contribuindo para aumentar ainda mais o clima de tensão. Alguns dos integrantes do grupo chegaram da cidade com notícias de que o FBI estivera por lá, fazendo perguntas. Era só uma questão de tempo para que os demais descobrissem quem ela era na realidade e não queria pensar no que poderia lhe acontecer. Precisava encontrar uma maneira de sair dali, especialmente depois do que vira naquela manhã.


Quando retornava para o alojamento, ela avistara uma movimentação fora do normal ao lado da trilha. Havia um caminhão estacionado próximo a uma das cercas e um grupo de quatro jovens tirava caixas e as empilhavam do lado de fora. Aproximou-se, tomando cuidado para não ser notada, enquanto os observava. Dois deles abriram uma das caixas, revelando o seu conteúdo.

As suspeitas do FBI tinham fundamento afinal. E aquilo só lhe deu a certeza de que precisava sair dali.



Ao anoitecer, retornou ao local e passou a observá-los à distância. Algo lhe dizia que esta operação não era de conhecimento dos demais, ou não se preocupariam tanto em não serem vistos. Notou que havia um alçapão no chão da clareira, provavelmente um depósito, onde as caixas eram armazenadas. Havia explosivos plásticos suficientes para mandar um quarteirão inteiro pelos ares.


Ao se virar para ir embora, percebeu que não estava só. Braços fortes a agarraram pelos ombros, empurrando-a em direção à clareira.

– Olha só quem eu encontrei, Peter – disse o jovem de cabelos escuros, segurando-a pelo braço.

– Não é o que está pensando – Monica respondeu, tentando se desvencilhar.

– Sei quem você é, FBI – retrucou com aspereza o líder do pequeno grupo.

Com um breve aceno de cabeça, ele ordenou que Monica fosse levada para o outro lado da clareira, onde foi forçada a se ajoelhar com os braços para trás. Ele, então, sacou a arma e a engatilhou, apontando-a para a nuca da agente.

– Já que vai atirar em mim, pelo menos me diga o porquê – disse Monica com a voz firme – O que quer provar com isso?

– Por que se importa?

– Pode parecer estranho pra você, mas muitos de nós lutam pela mesma coisa. Queremos que os responsáveis respondam por seus crimes, por suas ações contra pessoas inocentes.

– Estou farto de ouvir mentiras! – ele encostou o cano da arma contra as costas de Monica – Levanta!

O som abafado de folhas secas sendo pisoteadas e o estalo dos galhos partidos denunciaram a aproximação de outra pessoa. Os olhos de todos se voltaram na mesma direção. O facho de uma lanterna era visível por entre os arbustos.

– O que está acontecendo? – Melissa se aproximou do grupo – Peter?

– Fique fora disso, Megan – ele respondeu, ainda com a arma apontada para Monica.

– Ela é minha responsabilidade – Melissa rebateu – Deixem-na em paz.

– Você não ouviu o que estão dizendo? Dois federais estiveram lá na cidade. Eles já sabem. Só precisam de um motivo.

– E você quer lhes dar um atirando nela? Abaixe a droga da arma! – ela respondeu, impaciente.

– Estamos cansados de ficar aqui, escondidos no meio do mato como covardes. Não vamos esperar que eles venham atrás de nós.

– Sabe o que Darin pensa sobre isso, não sabe? Nós não mexemos com eles e eles não mexem com a gente – ela retrucou – Ouça, garoto, eu os odeio tanto quanto você, mas esta não é a solução. Se os colocar contra nós, não teremos a mínima chance.

– Nós não devemos obediência a ele. Não depois que ele aceitou esta federal no acampamento. Nossa briga não é com você, Megan, mas isso pode mudar se tentar nos atrapalhar.

– O que vai fazer? Atirar em mim? Me dá esta arma! – Melissa tentou tomar-lhe o revólver. A luta foi interrompida abruptamente por um estampido seco, abafado pelo corpo da mulher, que caiu no chão logo em seguida com um olhar de surpresa em seu rosto.

– Não! – Monica gritou.

Ele se voltou para ela, apontando-lhe o revólver.

Outro tiro ecoou pela mata.



Ao se voltar para a direção de onde partira o som, Monica pôde ver Jody Kennessy com a arma apontada para cima. Peter Sanders e os outros três que estavam com ele tentaram esboçar uma reação, mas hesitaram ao descobrir quem era o autor do disparo.

– O primeiro foi só um aviso, Sanders. O próximo não será para o alto – Jody se aproximou da clareira – Soltem-na e saiam daqui – ele ordenou.

Os quatro jovens recuaram e saíram correndo, sem olhar para trás. Temendo pelo pior, Monica correu até Melissa. O tiro atravessara-lhe o ombro. Havia muito sangue. Jody se aproximou e, calmamente, tirou a jaqueta e dobrou-a, colocando-a sob a cabeça da mulher ferida.

– Precisamos tirá-la daqui – Monica usava as mãos para tentar estancar o sangramento.

Ele a ignorou, seus olhos fixos no rosto da outra mulher, cuja consciência parecia se esvair.

– Ela vai morrer se não fizermos nada! – a agente federal insistiu.

– Não, não vai – ele respondeu com o semblante sereno.

Em questão de minutos, Melissa começou a arder em febre. Estranhamente, o sangramento cessara. Sem entender o que estava acontecendo, Monica só pôde observar.



Pouco mais de dez minutos haviam se passado quando Melissa abriu os olhos. Jody a ajudou a se sentar. A camisa chamuscada pela pólvora e as manchas de sangue no tecido eram os únicos indícios do que acontecera momentos antes. O ferimento estava completamente cicatrizado.

– Pode se levantar? – ele perguntou.

– Acho que sim – ela respondeu com a voz fraca.

– Então vamos embora daqui – ele a ergueu em seus braços. Seu olhar finalmente se voltou para Monica, que mal podia acreditar no que via. – Você vem com a gente?

– E quanto a eles?

– Meu tio cuidará disso – ele respondeu – Você vem ou não?

Em silêncio, ela o acompanhou.


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10:12 p.m.

As notícias sobre o incidente correram pelo acampamento. Darin Kennessy tentou acalmar os ânimos ao convocar uma reunião, mas sabia que seria uma tarefa difícil. Gibson pôde sentir uma mistura de medo e raiva nas mentes das pessoas presentes. Preocupado, ele se retirou do galpão e se dirigiu aos alojamentos.



– Antes que pergunte... Sim, isso dói. – Melissa sentou-se na cama com a ajuda de Monica. Seu braço estava apoiado sobre uma tipóia improvisada – Eu só saro rápido.

Monica olhou discretamente para a nuca de Melissa enquanto ela terminava de abotoar a camisa. Não havia nada de anormal ali, para o seu alívio – As nanocriaturas? – finalmente perguntou.

– É. Eu me machuco e elas fazem o seu trabalho. Jody me contou que elas funcionavam da mesma forma com ele. Só que ele não soube me explicar por que, no meu caso, elas continuam trabalhando.

– Como assim?

– Elas costumam se “desligar” sozinhas. No caso de Jody, quando ele foi curado da leucemia.

– Você me disse que elas reconstróem o tecido danificado.

– Exato. É como esta nova tecnologia que estão usando para curar pacientes com câncer, só que elas vão um pouco além disso no meu caso. A reconstrução é constante, como se as células não parassem de se renovar.

– Quer dizer que...

Ela acenou com a cabeça – Eu não envelheço como as outras pessoas. Só não me peça para explicar o porquê, mas deve ter algo a ver com as nanocriaturas.

– Inacreditável.

– Não é o que a maioria acha. Para muitos, sou uma aberração. Alguns têm medo de mim, mas não posso culpá-los.

– Acredita mesmo nisso?

– Eu deveria estar morta, Agente Reyes. Alguém quis brincar de Deus e colocou estas... coisas em mim. Só que se esqueceram de me perguntar primeiro.

– Muita gente daria tudo por uma segunda chance.

– Muita gente não sabe de nada – ela respondeu com um sorriso amargo.

– Ei, como você está? – Gibson perguntou ao entrar.

– Vou ficar bem. Nem preciso ler mentes pra saber que as notícias não são boas – Melissa disse ao notar a expressão no rosto dele.

– Estão com medo – ele respondeu – Acham que o FBI quer invadir o acampamento. Alguns falam em resistir.

– E o que sugerem que façamos? Pegar em armas?

– Isso não será preciso – uma voz grave a interrompeu.

Todos se voltaram para a porta, de onde Darin Kennessy os observava.

– Infelizmente não tenho como evitar que tais idéias se espalhem dentro do grupo, especialmente entre os mais jovens – ele continuou – Alguém sabe que você veio pra cá, FBI?

– Eu não vim pra cá a trabalho. Estão atrás de mim, mas por outras razões – Monica respondeu.

– Como vai explicar o seu sumiço sem nos envolver? – perguntou Kennessy.

– Não será preciso. Só que terá que me deixar partir. Não quero causar mais problemas.

– Querendo ou não, já causou, Agente Reyes. A sua gente não é bem-vinda por aqui e a sua presença costuma atrair um tipo de atenção que queremos evitar a todo custo. Todos estão com medo e o medo faz com que as pessoas façam coisas estúpidas. Não posso garantir a sua segurança, ainda mais depois do que aconteceu.

– Não precisa se preocupar quanto à segurança dela, Darin – Melissa interveio – Eu a levarei comigo para a capital.

– Tem certeza de que é isso mesmo que você quer? – ele perguntou à mulher de cabelos vermelhos.

– Eu tenho que saber – ela insistiu.

– Pegue o carro – ele finalmente respondeu depois de ponderar por alguns instantes – Só quero que me prometa uma coisa: assim que terminar o que tiver que fazer, volte pra casa.

Melissa o abraçou, numa rara demonstração de afeto. – Prometo.

– Conto com isso – ele tocou em seu rosto – Jody, também.

– Eu sei – ela respondeu.

– Vou com vocês – Gibson as seguiu até a porta.

– Nada feito – disse Melissa – Você fica.

– Sabe que eu posso ajudar a encontrar os dois, por que não quer que eu vá?

– Ela tem razão. É perigoso demais, Gibson. John e eu o procuramos durante anos e temíamos pelo pior. Agora que você está aqui a salvo, por que se arriscar? – Monica argumentou.

– Acho que você já se fez a mesma pergunta, não é, Agente Reyes? – Gibson rebateu.

Monica o encarou, surpresa. Apesar de conhecer as habilidades dele, sempre se surpreendia quando ele as demonstrava.

Melissa apenas balançou a cabeça e fez um gesto para que ele as acompanhasse. Aquele homem era tão teimoso quanto ela. Monica não pôde deixar de sorrir. Melissa Scully tinha muito em comum com sua irmã mais nova.


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Estrada Municipal 22
Sentido Sul, Oregon
1:29 a.m.

A picape vermelha com os três ocupantes há muito deixara o acampamento para trás. Melissa estava ao volante, seu braço completamente recuperado, para o assombro de Monica. Embora conhecesse os avanços e as aplicações da nanotecnologia, sempre se surpreendia ao vê-la em ação. E o fato de aquela mulher estar viva já era algo que desafiava qualquer explicação lógica.

– Como veio parar aqui? – Monica quebrou o silêncio, esperando obter respostas.

– Logo que cheguei ao Oregon, fui acolhida por um casal de idosos, para quem trabalhei durante alguns meses. Eram parentes de Darin, foi como eu o conheci. Ele me levou ao acampamento e foi lá que fiquei sabendo da história de seu sobrinho, Jody. O irmão de Darin era um cientista trabalhando por conta própria, tentando encontrar uma cura para a doença do filho. David Kennessy desenvolvera uma variação desta tecnologia e a usou para salvá-lo. Os pais dele foram mortos por homens ligados a este projeto, que não estavam dispostos a dividir esta descoberta. Algum tempo mais tarde, Jody me contou sobre os dois agentes federais que o ajudaram: Mulder e Scully. Os paralelos com a minha história eram evidentes e foi a partir daí que resolvi sair em busca de informações. O mesmo homem que me salvara havia me revelado uma história que me trouxe até San Diego em 1998. Não sei quem era este homem, nem seus motivos. Nunca mais tive contato com ele.

– San Diego... – Monica lembrava vagamente do que John lhe contara sobre o caso envolvendo Emily Sim.

– Estar de volta trouxe à tona mais memórias. Eu me lembrava de minha família, da casa onde passei a minha infância, mas sabia que corria um grande risco estando ali. Por isso não os procurei de imediato.

– E quanto a Dana?

– Ela não poderia saber. Ainda não.

Monica franziu a testa – Como não? Ela se culpou por sua morte durante anos!

– Acha que eu não sei disso? – Melissa a encarou com raiva – Ao procurá-la, eu colocaria sua vida em risco. Só pude ligar pra ela, tentando avisá-la. Infelizmente, eles foram mais rápidos e apagaram toda e qualquer evidência.

– Por que levá-la até a filha só para vê-la partir sem poder fazer nada?

– Para que ela visse a verdade. Para que soubesse o que fizeram com ela. E comigo. Da mesma forma que ela, a minha vida também está condicionada a uma tecnologia desconhecida e altamente perigosa. Ainda em San Diego, eles me capturaram novamente e fui submetida a mais testes. O pouco de que conseguira me lembrar fora arrancado de mim mais uma vez. De certa forma, acho que eu tinha mais valor pra eles viva do que morta, por isso me pouparam. A instalação onde eu fiquei presa foi desativada no ano seguinte e, inexplicavelmente, ninguém retornou para checar as “cobaias”. Havia uma mulher comigo, mas nunca mais a vi depois que saí de lá. Sei que, quem quer que tenha feito isso, ainda tem interesse na tecnologia que está dentro de mim e eventualmente eles virão me procurar. Só que, desta vez, estarei esperando.

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Uma semana depois

Próximo à divisa do Estado de Maryland
2:49 a.m.

Monica despertou de seu sono leve, interrompido por mais um de seus pesadelos. Melissa dormia na cama ao lado, mas o seu sono também não parecia tranqüilo. Pensou consigo mesma se os pesadelos não seriam outra coisa senão lembranças reprimidas, guardadas em algum canto obscuro da memória e libertadas quando o corpo e a mente entravam em repouso, aproveitando o momento em que todas as guardas estivessem baixas. O pensamento a fez estremecer por dentro. A cada noite, as imagens se tornavam cada vez mais claras, cada vez mais... reais.

John gritava o seu nome momentos antes de ela acordar. Os gritos de dor feriam seus ouvidos e a dilaceravam por dentro.

Pegou o casaco que estava sobre a cadeira ao lado da cama e resolveu sair do quarto para caminhar um pouco. Naquela noite, resolveram parar em um pequeno motel de beira de estrada, como fizeram anteriormente nos diversos Estados pelos quais eles passaram desde que partiram do Oregon.

Antes de sair, olhou para Melissa, que ainda dormia. Por via das dúvidas, pegou a sua arma e a colocou na cintura, escondida sob o casaco e saiu, trancando a porta.

Levantou a gola do casaco para se proteger do frio daquele final de outono enquanto atravessava o estacionamento até a máquina de refrigerantes, procurando por moedas em seu bolso.

– Se importa se eu fizer companhia? – disse uma voz atrás dela.

Sua mão pousou sobre a arma, mas ela logo reconheceu a voz e relaxou, voltando-se para ele.

– O que faz aqui fora, Gibson?

– Não conseguia dormir, então resolvi dar uma volta – ele respondeu, com os braços cruzados, tentando se manter aquecido.

Os dois sentaram-se em um banco de madeira, na varanda em frente aos quartos.

– Aonde vocês foram esta tarde? – ela perguntou depois de tomar um gole do refrigerante.

– Estivemos em Washington. Ela quis ir ao cemitério, mas acho que não foi uma boa idéia – Gibson respondeu com o semblante preocupado – As lembranças vão e voltam e, às vezes, ela não sabe como lidar com tantas informações, com tantos sentimentos... A dor é muito grande. Eu tento ajudá-la, mas é difícil.

Ela assentiu com a cabeça. – Quando soube quem ela era?

– Logo que a conheci, através das vagas lembranças em sua mente, mas não quis forçá-la a se recordar. Eu tinha medo do que estas lembranças poderiam lhe causar. Até então, ela levava uma vida relativamente normal ao lado de Darin e Jody a considerava como uma segunda mãe. Pensei comigo mesmo... por que trazer o passado à tona? Como costumam dizer, às vezes não saber é como uma bênção porque a verdade pode ser devastadora. Só que os pesadelos começaram e as lembranças foram ficando cada vez mais claras. Não havia mais volta.

– Só posso imaginar como foi difícil pra ela. A dor, o medo... a revolta.

Gibson a encarou depois de alguns instantes – Agente Reyes?

– O que foi?

– Tento não me intrometer, mas... às vezes, é forte demais pra ignorar.

– Do que está falando?

– Sinto a mesma coisa em você.

Monica não respondeu. Ambos permaneceram em silêncio, observando o movimento dos carros na estrada.


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Arredores de Washington, Capital
9:13 p.m.

Monica usou suas credenciais para entrar no edifício acompanhada de Melissa e Gibson. Para sua surpresa, essa foi a parte mais fácil. Como imaginara, os computadores daquela repartição estavam conectados diretamente ao sistema do Departamento de Justiça, seguindo a determinação de uma Resolução do Senado que dava ao governo carta branca para obter informações de quem lhe conviesse. Contava com aquilo para conseguir o que queria. Entretanto, teriam que ser rápidos, pois poderiam ser rastreados pelo sistema de segurança caso resolvessem acessar arquivos confidenciais. Ela procurava por alguma brecha que lhe permitisse verificar a informação que precisava: os registros de adoção do filho de Dana Scully. Sua pesquisa, entretanto, não foi bem sucedida pois sua senha fora bloqueada em pleno acesso.

Melissa resolveu fazer outra busca, por conta própria, utilizando-se da senha que Monica lhe dera. Não ficou surpresa ao encontrar o nome de Darin e de diversos membros do grupo na lista dos mais procurados do FBI. Afinal, eles eram vistos como terroristas pelas autoridades, muitos deles pelo simples fato de se recusarem a se submeter às ordens do governo federal. A partir de 2012, os conflitos se intensificaram com a adoção de medidas consideradas autoritárias. Uma delas dava poder quase ilimitado às agências de investigação em detrimento dos direitos civis. Criou-se um sistema de vigilância que permitia o monitoramento de e-mails e de outras formas de comunicação, além de toda e qualquer operação eletrônica -- movimentação de contas bancárias, compras com cartões de crédito e reservas de vôos -- feita online ou através de terminais multimídia em qualquer ponto da cidade e do país.


Os dados obtidos eram então confrontados em diversos bancos de dados e, qualquer operação considerada “suspeita” era apontada pelos computadores e imediatamente repassada para as autoridades competentes. Qualquer um poderia ser preso para averiguação ou ter a sua vida inteira investigada. Diversos grupos ofereceram resistência a tais medidas, alguns deles de forma violenta, enquanto outros optaram pelo isolamento. No entanto, uma série de atentados contra instalações federais colocou todos na berlinda. Ela sabia que era uma questão de tempo até que chegassem a Darin e os outros. Ao tentar acessar o seu próprio nome nos arquivos, foi surpreendida com o aviso de “acesso negado”. Por que o arquivo de uma pessoa morta há tanto tempo estaria lacrado? Olhou para a tela do computador, preocupada.


Gibson vigiava o corredor, atento à aproximação de qualquer um. Logo que entrara, sentira que algo estava errado. Ao saírem do laboratório, notaram um movimento estranho próximo à entrada e resolveram usar a saída de emergência para chegar à garagem.

– Provavelmente rastrearam nosso acesso – disse Monica, enquanto eles desciam os lances de escada.

– Ou já esperavam por nós – respondeu Gibson.

– Gibson tem razão – disse Melissa ao se juntar a eles – Isso tudo me pareceu fácil demais.



– Parados! – uma voz ordenou, assim que eles chegaram ao subsolo do prédio.

Um policial. Os três entreolharam-se.

– Perfeito – Melissa murmurou.

– Ele é um deles – Gibson sussurrou para Monica enquanto o homem de uniforme se aproximava.

– Temos que sair daqui – ela se voltou para Melissa.

– Aceito sugestões – a outra mulher estudou o lugar, pensando numa possível rota de fuga – Avistei algumas câmeras quando entramos. Se tentarmos alguma coisa, a polícia vai cercar este lugar.

– Não queira saber a alternativa – Monica respondeu.

Gibson olhou para Monica. Ambos sabiam que aquele homem não precisava de armas, mas aquilo não seria o que as fitas de vigilância revelariam mais tarde. Para todos os efeitos, estariam resistindo à prisão. Com uma rápida troca de olhares, eles decidiram o que deveria ser feito.

– Está com a sua arma? – Monica sussurrou para Melissa.

– Estou.

– Use-a.

– O quê? – ela retrucou em voz baixa.

– Faça o que eu digo ou estaremos mortos! – Monica rebateu, seu olhar fixo no homem à frente deles.

Depois de hesitar por alguns segundos, Melissa sacou a pistola e disparou três vezes contra o peito do policial, que nada sofreu para a sua surpresa. Ele abaixou a arma e, calmamente, começou a avançar na direção deles. – Vai! – ela gritou para Monica, jogando-lhe as chaves da picape.

Melissa se voltou a tempo de ver o homem agarrar Gibson pela jaqueta e arremessá-lo para longe sem dificuldade. Antes que pudesse reagir, o homem a golpeou, jogando-a contra uma das pilastras. Ela pôde ouvir o barulho das suas costelas se partindo com o impacto. Ignorando a dor, atirou novamente, tentando retardar o avanço de seu agressor. Por um instante, ela pensou que ele estivesse usando um colete à prova de balas, mas o sangue no uniforme dizia o contrário. Seus olhos se voltaram para Gibson, que estava caído a poucos metros de onde ela estava, ainda atordoado pelo golpe que levara.

– Mas o que... – murmurou consigo mesma.

Foi quando ela viu a picape se aproximando em alta velocidade. O veículo se chocou contra o corpo do policial, que voou sobre o capô e arrebentou o lado direito do pára-brisa. Uma freada brusca jogou-o violentamente contra o chão.

– Entra no carro! – gritou Monica, seus olhos voltados para o corpo que jazia inerte sobre o concreto – Não temos muito tempo!

Sem hesitar, Melissa se levantou e correu até Gibson, ajudando-o a entrar na picape, que partiu cantando pneus no meio da noite.



Momentos depois, o policial levantou-se lentamente, ajeitando o uniforme sujo de sangue e poeira. Seu olhar se voltou para a câmera de vigilância por alguns instantes, antes de partir como se nada houvesse acontecido. Em um prédio a alguns quarteirões dali, em uma sala repleta de monitores de TV, Walter Skinner assistia a tudo em silêncio.



– Que diabos foi aquilo? – Melissa olhava para trás, ainda tentando entender o que acabara de ver.

– Tivemos sorte. Ele poderia nos ter matado sem piscar – Monica notou a expressão de dor no rosto da outra mulher – Você está bem?

– Vou ficar – ela respondeu, respirando com dificuldade – Mais um pouco e ele me partiria ao meio.

– Como ele está? – Monica voltou os olhos para Gibson, deitado no banco de trás.

– Só um pouco grogue por causa da pancada, mas vai ficar bem. Agora precisa me dizer com o que estamos lidando aqui.

– Aquele homem era um supersoldado – Monica respondeu – Isso quer dizer que estamos no caminho certo.

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