Perfect World

parte 1

22 de dezembro de 2012

5:00 da manhã

Mulder mal dormira durante a noite. Scully também tivera pouco descanso, mas isso porque ele se levantava a cada meia hora, fazendo com que ela acordasse.

Ela sabia o porquê da agitação dele. Era aquela maldita data.

Não uma simples data, mas a data da invasão da Terra pelos alienígenas.

Antes de começarem a fugir, Scully estava disposta a lutar contra o mundo, em busca daquela verdade. Mesmo nos anos que se seguiram, ela continuava com a mesma disposição, talvez com a mesma intensidade que Mulder.

Depois que descobrira o que era a verdade, Scully passou a desejar que não tivesse jamais sabido. Afinal, o que poderiam os dois sozinhos fazer a respeito? Não tinham mais aliados. Não tinham notícias de Skinner, Doggett ou Reyes há anos. E mesmo que soubessem onde eles estavam, como poderiam procurá-los e trazer mais angústia à vida daquelas pessoas?

Mulder não pensava do mesmo modo, ela sabia. Ele pretendia reunir a todos, destruindo o que provavelmente haviam construído nos últimos dez anos, somente para que gritassem juntos que o mundo iria ser invadido e destruído pelos alienígenas.

A data havia chegado. 22 de dezembro de 2012. Eles não sabiam a hora, nem como tudo ocorreria. Mas eles sabiam.

Aquela data havia sido discutida pelos dois durante muito tempo. No início eram somente discussões civilizadas, inteligentes, respeitosas, mas, com o passar do tempo, e talvez devido ao isolamento ao qual se obrigavam a viver, as discussões se transformaram em brigas cada vez mais exaltadas. Até que um dia, de alguma forma, no calor da discussão, o nome de William foi trazido à tona.

Scully ainda não podia se lembrar qual dos dois mencionara o nome do bebê, e talvez jamais voltasse a se lembrar das palavras exatas que os dois proferiram.

O que restara daquela dia foram duas pessoas que se amava muito, mas que se separavam cada vez mais pelo silêncio.

Um silêncio cheio de culpa. Scully acreditava que Mulder a culpava por ter dado o filho para a adoção. Mas ela não tinha coragem de perguntar isso a ele. Afinal, mesmo que ele não a culpasse, ela o fazia. Pelos dois.

Agora, dez anos depois de terem começado aquela jornada juntos, se encontravam em mundos opostos.

Scully, internamente, rezava para que o dia 22 terminasse de vez, assim, talvez, os dois voltassem a se tornar um só.

Interrompendo seus pensamentos, Mulder se levantou bruscamente, talvez acordando de mais um de seus pesadelos.

_ Mulder, por favor, volte a dormir.

_ Que horas são?

Scully olhou o relógio ao seu lado. Um leve calafrio percorreu seu corpo.

_ Cinco horas da manhã. Acho que a gente ainda tem algumas horas antes do mundo acabar.

_ Como você consegue brincar com isso? Eu pensei que eu fosse o único cínico por aqui.

_ Eu não estou brincando.

_ Não se preocupa com William? Com o que vai acontecer com ele hoje?

Scully se sentiu subitamente zangada, como se alguém a tivesse atingido injustamente. Bem, aquilo havia sido injusto, na verdade.

_ Mulder, eu me preocupo com ele cada segundo da minha vida. Não se atreva a dizer o contrário!

_ O que eu quero dizer é que hoje vai ser diferente. Não é como se você se preocupasse que ele estivesse sendo bem alimentado, ou bem tratado. Hoje vai ser o fim de tudo.

_ Você não tem certeza disso. Afinal podem ter te enganado. Não seria a primeira vez.

Mulder não respondeu. Era uma discussão inútil. Conversar com ela havia se tornado um teste de força entre eles. E, normalmente, ela saía ganhando.

Ele sempre desistia antes que a discussão se transformasse em briga. Já bastava uma briga entre os dois, da qual ele até hoje se arrependia. Prometera a si mesmo jamais cruzar aquela linha novamente.

Quanto à data fatídica, talvez no fundo ela tivesse razão. Somente o fato de saber a verdade não faria com que seus efeitos não os atingisse. O fim seria igual para todos.

O dia 22 já estava criando forma, não só para os dois, mas para toda a humanidade, e talvez quem não soubesse a verdade é que seria abençoado.

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07:00 horas da manhã

Scully ainda dormia. Mulder não podia entender como.

De pé, olhando pela janela o dia surgindo, Mulder buscava sinais.

Pássaros voando assustados, a terra tremendo, o sol se escondendo atrás de alguma nuvem de aspecto estranho, as folhas caindo de uma só vez, insetos se chocando contra os vidros das casas. O vento soprando cada vez mais forte.

Mulder não via nada disso, mas no fundo sentia como se a atmosfera houvesse se tornado mais pesada, como se estivesse, subitamente, se carregado da eletricidade de toda a vida existente. Sentia como se todos os sonhos, de todos os seres, estivessem sendo interrompidos de forma brusca, como se até mesmo os pesadelos estivessem chegado ao fim, dando lugar a um alívio que somente ele sabia ser falso.

Seu pesadelo, no entanto, não teria fim. Seu pesadelo era sua própria vida. Inseparável de seu ser, imutável, onipotente e onipresente.

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09:00 horas da manhã

Scully já estava acordada há algum tempo, mas havia decidido fingir que dormia. Ficou observando Mulder, que observava, por sua vez, a janela, com um misto de espanto, angústia e tristeza estampado no rosto.

Por alguns momentos, Scully achou que não havia mundo lá fora. Que os dois estavam presos dentro de uma bolha e que Mulder apenas esperava que uma brisa soprasse e eles se juntassem ao nada absoluto.

Não que ela se importasse, na verdade. O nada seria bem vindo, assim como a anestesia é bem vinda em face da dor.

O nada ela podia aceitar. O que ela não queria enfrentar era o mundo, a dor, sua própria existência, Mulder.

O futuro, o passado, o presente. Principalmente o presente.

Ela podia esquecer o passado, esquecer tudo o que teve, fingir que não se importava, diminuir a importância de acontecimentos vitais. Mentir para si mesma.

Podia ignorar o futuro, sequer pensar nele, desejar que ele não viesse a existir.

Mas nada podia fazer quanto ao presente. O presente doía e feria como um ferro em brasas em contato com a pele, e nada podia fazer com que a dor acabasse.

Nada podia tirar Mulder da frente daquela janela. Nada podia fazer com que ela parasse de imaginar como estaria seu filho.

E se tudo o que houvesse lá fora, a esperar por eles, fosse o nada, então ela conseguiria o que tanto queria.

Nada.

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