Perfect World

parte 3

3:00 horas da tarde

O dia parecia se arrastar, para ambos. Mulder havia retornado de seu passeio pelos arredores da cabana ainda mais taciturno do que antes.

Isso assustava Scully. Teria ele visto algo que confirmasse que a invasão já havia começado ou estaria apenas tenso com a possibilidade?

Mulder pegou o radinho de pilha que guardava dentro da cômoda. Era raro que um dos dois ouvisse as notícias no rádio. Primeiro porque o sinal era sempre muito fraco e a recepção cheia de interferência. Segundo porque não se sentiam bem sabendo que a vida continuava lá fora, enquanto os dois viviam como prisioneiros naquela cabana.

Poderiam Ter comprado uma TV, ou um rádio com melhor alcance, mas nunca nenhum dos dois havia sequer proposto isso. Agora, Mulder se arrependia dessa decisão. O pequeno rádio parecia incapaz de trazer qualquer notícia. A única estação que funcionava tocava música gospel sem interrupção.

Provavelmente, não havia ninguém trabalhando na estação, que devia estar localizada não muito longe dali.

Mulder imaginava dois cenários distintos. Uma cidade pequena, com uma única estação de rádio, comandado pelo mesmo homem que também seria o dono do jornal local, ou mesmo o filho do dono, algum rapaz de vinte e poucos anos, que sempre quisera brincar de ser radialista e talvez estivesse mais preocupado, no momento, em conquistar a moça mais bonita da cidade.

Ou então, o segundo cenário. A cidade destruída, corpos carbonizados espalhados por todos os cantos, o operador da estação de rádio ainda se agarrando aos últimos segundos de vida e programando a rádio para continuar tocando a mesma fita, sem parar.

Músicas que falavam de Deus e de paz. Que talvez fossem uma mensagem para quem sobrevivesse.

Mulder não percebeu quando o rádio, simplesmente, parou de funcionar. Scully interrompeu seus pensamentos.

_ Acho que acabou a pilha.

Mulder se sentiu como se tivesse acordado repentinamente. Como quando se tem a sensação de estar caindo, rapidamente e quando se percebe havia sido um breve cochilo.

_ O que?

_ A pilha do rádio. Acho que acabou. Tem outras no armário.

Mulder não respondeu. Não queria ouvir o rádio e não se sentia com forças sequer para dizer isso. Era como se sua energia estivesse se esgotado junto com as pilhas do rádio. Em outra ocasião, outra década, outra vida até, ele teria feito alguma brincadeira a respeito, mas agora tudo parecia tão sem sentido.

Continuou parado no mesmo lugar, quase que como hipnotizado pelo rádio morto. Scully desistiu de tentar um contato. Mulder estava em outro lugar, em outra época, talvez. Ela não sabia onde, nem como chegar até lá. E talvez, mesmo que soubesse, não seria uma boa idéia se unir a ele naquele lugar escuro.

Ela já tinha sua própria escuridão.

5:00 horas da tarde

Scully se sentiu, subitamente, zangada. Se aquele seria seu último dia de suas vidas, então ela queria ao menos que os dois tivessem uma conversa decente. Nada mais de diálogos cortados bruscamente. Uma conversa franca e tranqüila.

_ Mulder, vamos conversar um pouco?

Mulder pareceu surpreso com a pergunta. Havia passado o que lhe pareciam horas, deitado na grande cama de casal, apenas olhando para o teto, às vezes fechando os olhos, indo e voltando em diversos pontos do passado. Pesquisando em sua mente os melhores momentos de sua vida, tentando deletar os piores. Por um instante havia se esquecido de onde estava. Por instantes havia estado no escritório, no porão do FBI e via Scully pela primeira vez, sem saber que a partir daquele encontro ele deixaria de ser o que sempre fôra. O que ele havia sido, não se lembrava. Não podia imaginar como era o mundo pré-Scully.

O que se tornara o assustava. Era aterrorizante ver tudo o que haviam passado juntos e onde haviam terminado. Mas a presença de Scully, sempre ao seu lado, o acalmara.

Mas não agora. Estranhamente estava irritado com a presença dela. Não sabia se sobreviveria se ela não estivesse ali, mas não queria que ela estivesse ao seu lado, nesse exato momento.

_ Sobre o que quer falar? Sobre o tempo? Está lindo, apesar de horrivelmente quente. Da próxima vez que nós decidirmos fugir, eu escolho o lugar. Se é sobre o almoço, nunca comi nada mais gostoso. Obrigado. Quanto a minha cabeça, acho que vai explodir a qualquer momento, mas acho que esqueci de mencionar isso antes, então não é sobre isso que você quer falar.

_ Não, Mulder, com certeza não é sobre isso.

_ E pensar que houve uma época em que você se preocuparia com a possibilidade da minha cabeça explodir.

Scully sabia que ele estava dramatizando. Provavelmente nem estava sentido nada. Apenas tinha essa necessidade infantil de ser consolado. Ela havia lidado com isso durante anos, até mesmo alimentando essa necessidade. Mas ultimamente ela própria queria ser confortada e não estava disposta a fazer joguinhos com Mulder.

_ Ela não vai explodir, Mulder. Não antes do mundo, pelo menos.

_ Então você acredita que hoje é o dia D, afinal.

_ Eu não sei no que acreditar, e é sobre isso que eu queria conversar. Sobre o que nós dois vamos fazer amanhã.

_ Se estivermos vivos amanhã, você quer dizer.

_ Mulder, mesmo que os alienígenas invadam a Terra, isso não quer dizer que vão destruir toda a vida do planeta.

_ Não, tem razão. Eles só estão interessados em uma visita turística. Vão tirar algumas fotos e depois vão visitar Plutão.

_ Você não sabem o que eles querem. Além do que, porque Plutão? E os outros planetas entre a Terra e Plutão?

_ O pacote não inclui visitas intermediárias.

Pela primeira vez em tanto tempo os dois pareciam estar se divertindo. E o mais interessante era que brincavam com um assunto que, para eles, era mais do que delicado.

Percebendo isso, ambos se silenciaram, com medo de perder a pequena magia que havia sido criada.

O silêncio durou pouco. Scully tentou voltar ao assunto, mantendo o mesmo tom relaxado e calmo com que iniciara a conversa.

_ O que eu quero saber é se vamos sair daqui.

_ Scully, não existe nada lá fora para nós dois. Com destruição ou não, ainda assim nós estamos presos aqui. Vão nos matar caso voltemos. Sejam os alienígenas, sejam os militares.

_ Já nos mataram, Mulder. Estamos enterrados no meio do nada. Não temos notícias do mundo, e ninguém sabe de nós. Me sinto como se nós dois fossemos dois fantasmas que ainda não perceberam que estão mortos.

_ Então o que você quer? Finalmente morrer? Quer ir até Washington com um X nas costas e esperar ser atingida?

_ Não. Eu quero procurar meu filho. Quero ter certeza de que ele está bem.

_ Se você quisesse ter essa certeza sempre você não....

Mulder se calou de repente. Não podia acreditar no que quase dissera. Mas Scully não precisava que ele continuasse a frase para entender seu significado.

_ Eu sei, Mulder. Eu nunca deveria ter dado William. Eu me culpo cada minuto da minha vida por isso. Mas, ao mesmo tempo, eu agradeço a Deus por ter feito o que fiz, só assim não teríamos mais um fantasma preso nesse maldito lugar!

Mulder não teve tempo de se desculpar. Scully saiu da cabana, batendo a porta atrás de si, disposta a voltar quando o mundo já não mais existisse.

8:45 da noite

A noite caiu rapidamente na floresta. Scully havia perdido totalmente a noção do tempo. Já era tarde, a lua enorme no céu reinava imponente, ignorando os dramas vividos sob sua luz.

Poderia ser, facilmente, confundida com uma nave alienígena, enorme, imponente, disposta a engolir todo o planeta, lentamente.

Mas era somente a lua. Uma lua cheia, alaranjada, como sempre era por aquelas bandas, como se o sol, tão quente durante o dia, deixasse calor suficiente para dourar a lua.

O calor persistia durante as noites, transformando cada momento em uma pequena tortura.

No início, Scully não se importava. Como Mulder dissera, havia sido ela a escolher o local onde deveriam se esconder. Queria ficar longe do frio, não queria correr o risco de precisar de ajuda médica e não conseguí-la somente porque alguma estrada estava inacessível por causa da neve.

Aquele lugar parecia ideal. Um lugar sempre quente, úmido, e isolado. Mesmo no inverno a temperatura não baixava o suficiente para causar transtornos. Apenas ficava mais amena, mas ainda assim desagradável por causa da umidade.

Esse ano não havia sido diferente. A brisa que soprava agora mal secava o suor que brotava em pequenas gotas em sua testa.

Nos primeiros anos, quando ainda podiam se arrepender da escolha, tudo ainda parecia perfeito. Os dois estavam juntos, e nada os separaria.

Mas o tempo foi passando, e eles foram mudando, o calor moldando suas personalidades, retirando a consistência de que eram feitos, como uma barra de chocolate que derrete todo dia um pouco, até que se torna branca e seca, e somente seu interior ainda é escuro e saboroso.

Uma brisa soprou mais forte, alguns ruídos na mata, talvez causados pela mesma brisa viajante, fizeram com que Scully decidisse procurar a segurança da cabana.

Por um instante pensou que jamais teria coragem de deixar aquele lugar. Eles eram dois pássaros presos por tanto tempo em uma gaiola dourada, que quando têm a oportunidade de serem livres, não sabem o que fazer.

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